Ao olharmos assim, de maneira despretensiosa, desejo e vontade até confundem-se. Costumamos empregar esses termos sem dedicar o devido cuidado. Mas há quem defina-os de maneira bem objetiva, a exemplo de Immanuel Kant e Emmanuel, este último, por intermédio de Chico Xavier.
O desejo pode ser algo que causa uma certa confusão, além da questão conceitual. Mas é nela que pretendemos conversar. Para o filósofo alemão, dar seguimento aos desejos ou mesmo permitir que decidam nossos processos de escolha, dá-nos uma falsa sensação de liberdade. Kant chamava essa sensação de «liberdade aparente». Para o filósofo, ao agir por impulso, abdica-se da racionalidade, a faculdade de controlar os desejos. Por sua vez, agir de acordo com a vontade resulta em escolhas éticas e conscientes. Eis porque a verdadeira liberdade não significa poder fazer tudo o que se quer. Para Kant, ser livre é fazer o que não queremos, porque dar vazão aos desejos significa agir sem razão, portanto, sem liberdade.
Chico Xavier, o médium brasileiro, no livro Pensamento e Vida, por intermédio do espírito Emmanuel, escreveu que a mente humana funciona como um grande escritório. Considera que o desejo representa o «departamento» que opera os propósitos e aspirações, numa visão mais elevada em relação a Kant. A «inteligência» corresponde ao departamento que nos guia no caminho da evolução e da cultura, enquanto o «departamento da imaginação» se encarregava do que é-nos idealizado e sensibilizado. Outro departamento, o da memória, como o nome já diz, guarda as súmulas da experiência humana. Todavia, todos esses «departamentos» são subordinados à uma gerência de caráter superior: o «departamento da vontade».
Para o médium, a vontade é “a gerência esclarecida e vigilante” que governa “todos os setores da ação mental”. Enquanto a eletricidade é energia dinámica e o magnetismo é energia estática, o pensamento é força eletromagnética. Nesse oceano de pensamentos que representa a mente humana, “pensamento, eletricidade e magnetismo conjugam-se em todas as manifestações da vida universal” onde a vontade funciona como o “impacto determinante”, o único capaz de conter os impulsos e ações de forma racional.
Niguém há de contestar que o cérebro humano é o grande produtor da energia mental, cujo funcionamente é muitas vezes automatizado. Afinal, quando respiramos não pensamos que «temos de respirar», a não ser quando falta-nos o ar. É justamente aí que entra a vontade, como poder decisório que define se este ou aquele rumo será tomado. Sem a vontade «no controle», o desejo pode entrar em cena e provocar sensíveis prejuízos em nossa evolução pessoal e espiritual. Por quê? Porque “só a vontade é suficientemente forte para sutentar a harmonia do espírito”, complementa Chico Xavier.
Entre Kant (1724-1804), o filósoto, e Chico Xavier (1910-2002), o médium, há quase dois séculos de distância. No entanto, suas obras convergem no sentido do que vem a ser a nossa liberdade. Enquanto o primeiro define que «fazer aquilo que se quer» não significa ser livre, o segundo afirma que sem a vontade, como gerente de todos os nossos pensamentos, o desejo domina a cena das escolhas, cujo magnetismo e influenciação externa conduz às atitudes humanas irracionais, que ferem a ética, a moral e o que se presume ser a evolução do ser humano.
Se olharmos bem ao nosso redor, na cena política, na cena social, nas relações familiares, nos episódios de assédio, por exemplo, podemos perceber claramente que há muita gente que pensa ser livre, mas que em verdade é manipulada por um conjunto de impulsos e desejos. Talvez isso responda por que razão a humanidade anda tão atrasada, individualista (imoral) e repetitiva. Não seria o conjuto desse tal «magnetismo» da psicosfera o grande responsável pelos atrasos da nossa sociedade? Talvez sim, mas se pudéssemos ao menos fazer uso das nossas capacidades e controlar nossos impulsos, pensaríamos a liberdade como Kant pensava há quase trezentos anos, o que certamente colocaria o planeta numa rota de evolução coletiva. Infelizmente, com tanto mau exemplo e atraso mental, é ilusão pensar que estamos em 2025 sem estarmos coletivamente atrasados.