Opinião: Teresa Inácio | Educar: Verbo irregular
Por Jornal Fórum
Publicado em 29/10/2025 18:35
Opinião

Em tempos, ouvi na rádio uma conversa que me ficou atravessada na memória, dessas que soam absurdas de tão verdadeiras. Dizia uma locutora para a outra que os pais andavam muito indignados com os filhos por usarem o ChatGPT. Ora que era uma vergonha, ora que era um perigo. Uma ferramenta que lhes faz os trabalhos, exclamavam, entre goles de café e moralidade instantânea. Mas, curiosamente, eram esses mesmos pais que, entre mensagens aflitas perguntavam: “Sabes usar o ChatGPT? O miúdo tem um trabalho para entregar amanhã.”Ora, eis a dualidade da hipocrisia moderna, servida num falso copo de papel com uma fina camada de plástico. 

Queremos, com um fervor quase religioso, limitar aquilo que não compreendemos. Porque o novo assusta, sobretudo quando vem com botão de “criar”.  
Dizemos então, cheios de boas intenções e pouca reflexão, que a tecnologia avançou demais, que a Inteligência Artificial é o bicho que nos vem roubar o emprego.  

Ora, se um dia o progresso parar, será porque o mundo acabou, ou porque algum novo apagão decidiu acontecer. 

A escola, essa velha senhora, continua fiel aos seus métodos de sempre: lições decoradas, avaliações padronizadas e, criatividade sufocada por planificações anuais.  

Os professores, exaustos, perderam o estatuto; e os pais, vaidosos, ganharam um cargo honorário; sem direito a formação, mas com muito direito a opinião. 

A educação precisa de ser alvo de muitas atenções e, a criação de disciplinas essenciais à vida deviam ser os novos básicos.A delegação devia ser mantida na profissão, e a confiança, essa maldita, devia ser retomada a uma profissão que já muito em breve vê a sua extinção.  

O reforço escolar nas várias disciplinas lecionadas é importante e a inclusão de ferramentas à prática da vida são essenciais. Porque às vezes é preciso aprender-se a viver. 

Jamais abolir os clássicos, como muitos defendem; mas sim, incluir para além disso literacia financeira, política e, acima de tudo, literacia cultural. 

E para tal, é essencial entender cultura de duas formas. Primeiramente, entender que etimologicamente, cultura vem do cultivo, cultivar a terra; tal como o homem se cultiva a si próprio 

Além disso, sociologicamente, é substancial entender cultura como um elo de ligação e entendimento entre os vários costumes, saber de onde viemos para onde vamos; compreender acima de tudo que as fronteiras existem e que devemos experimentar a pele do outro.  

Conhecer as realidades e evoluções que sofreu na história. Saber que cultura é linguagem e está repleta de signos que dão significados às coisas.  

Mas também, é importante compreender cultura de forma artística, compreender que cultura é arte, é pintura, é escultura. Cultura é fotografia é cinema é música. É teatro, literatura e televisão. É artesanato, costumes e tradição. Essencialmente, cultura é arquivo e preservação. É memória.  

Cultura é muito abrangente, ficaríamos horas a debater só a sua origem quanto mais o seu significado. No entanto, é ainda fugaz entender que hoje a IA é encarada como um problema, mas a nossa sociedade já sofreu isso há muitos anos com a revolução industrial ou o aparecimento da Web 2.0. E sobrevivemos! 

Vivemos atualmente no instantâneo, fomos ensinados assim. Mas precisamos de saber entender e querer aprender.  

Estamos cada vez mais incultos e despreocupados. Saúde mental importa, mas aprender na vida também. Se não gostamos dos primeiros segundos, passamos à frente, não nos esforçamos, não tentamos. Culpamos uma “certa” rede social quando a culpa é inteiramente nossa.  

Cultura exige rigor e dedicação. Exige tempo. Um luxo, que hodiernamente está fora de moda. As novas gerações são diferentes, sim. E ainda bem. Têm outros valores, outros medos e crises que não vêm no manual. Mas sem literacia cultural, somos a terceira geração de um negócio... já diziam os antigos que a terceira estraga tudo. Ficamos despidos e sem teor. Não temos vocabulário fluente ou esquecemo-nos que escrever também exige lápis e papel. A pressa é o novo analfabetismo. 

A verdade é que a educação contemporânea vive entre dois extremos: o “deixa andar” e o “controla tudo”. Esquecemo-nos de que educar não é nem deixar solto nem prender curto, é ensinar a pensar. Mas pensar dá trabalho. E ninguém tem baterias para isso.  

 

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