Opinião: Miguel M. Riscado | Marselfie
Por Jornal Fórum
Publicado em 18/12/2025 08:00
Opinião

No início do próximo ano termina o consulado de Marcelo Rebelo de Sousa na Presidência da República. Foram dez anos, dois mandatos, duas eleições na primeira volta…fundamentalmente, um passeio para Marcelo. Não esteve isento de polémicas, nomeadamente no caso das gémeas brasileiras e, a nível político, na continuação da viabilização da Geringonça e na aceitação da demissão de António Costa; nem de problemas de saúde, na sua maior parte, benignos. Foi, no entanto, um Presidente extremamente popular, não só pela sua personalidade leve e inteligente, mas pela proximidade física com o povo português. A popular Marselfie tornou-se um must have para os colecionadores mais afincos. Este texto não é necessariamente sobre isso, mas usa este elemento jocoso como pretexto para uma evolução breve e sucinta sobre a postura dos Presidentes na III República.

Com fim do Estado Novo, a transição ocorre pela consciencialização das forças militares, que culminaram na formação e organização do MFA. Spínola não integra este grupo, mas é convidado para assumir o papel de primeiro Presidente em democracia (ainda que em construção). Cedo se demite e é substituído por Costa Gomes. Este fica com a batata quente na mão: aguenta a intentona de 11 de março, as eleições para a Constituinte, o verão escaldante de 75 e o 25 de novembro, vendo-se, neste último caso, a decretar o estado de sítio na região de Lisboa. No ano seguinte ocorrem as primeiras presidenciais pós-25 de abril, com a vitória de Ramalho Eanes, coadjuvante do braço militar do Grupo dos Nove e moderado. Estes três indivíduos coexistem no período revolucionário e são marcados, também, pelo cariz sui generis do momento. Ainda recentemente, nos 50 anos do 25 de novembro, Duran Clemente, Vasco Lourenço e Rodrigo Sousa e Castro debatiam o que verdadeiramente teria ocorrido nesse dia e, por consequência, nesse período. Relativamente aos Presidentes, a transversalidade das intervenções é a de respeito pelas três figuras, principalmente por Eanes, acrescento eu. A figura do homem do leme, que guiaria o país da ditadura para a estabilização era característica necessária do Chefe de Estado.

Sem prejuízo do Eanismo e do PRD, que marcavam uma tentativa de terceira via entre os dois principais movimentos políticos nacionais, com mão do Presidente Eanes, seguiu-se Mário Soares no cargo. Esta mudança do panorama militar para o civil, concluída pela Revisão de 82 à Constituição, marcava a consolidação democrática, sem a necessidade dos protetores — os soldadinhos como cantava José Mário Branco, em letra onde também os apelida de “reis de Portugal”. Terminava, exceto para uma minoria, a tentativa de guinada para a segunda revolução. Começava a descida no poço da política nacional. Desde 1926 que, de uma maneira ou de outra, o militarismo estava presente na decisão política, até na oposição ao Salazarismo; esta nova democracia dos partidos eliminava este aspeto, mas tangia o Chefe de Estado com as cores partidárias, apesar da sua posição sensaborona — é verdade que tem a bomba atómica de dissolução do Parlamente e de demissão do Governo, passando pelos vetos, mas, caso não seja da personalidade do titular a intervenção, torna-se numa figura de cerimónia.

Jorge Sampaio e Cavaco Silva são provas disso. Sem prejuízo da armadilha a Santana Lopes e da aceitação da Geringonça, não foram Presidentes necessariamente centrais. Cumpriram o seu papel com uma lateralidade notável, com algum cinismo e frieza, mas principalmente como comandantes de barco atracado. Marcelo vai, no entanto, mais longe. Creio que foi Vitorino Silva, o famoso Tino de Rans, que o disse: “Marcelo apalhaçou as funções de Estado”. É uma afirmação forte, talvez até demasiado forte ou mesmo injusta; mas não deixa de ter um fundo de verdade. As brincadeiras marcelistas são característica de Rebelo de Sousa: desde o Balsemão ser lelé da cuca, às trapalhadas com Paulo Portas, passando pelo morde e assopra com António Costa. Foi o Presidente que mais moldou o cargo às suas características pessoais. E se é verdade que Eanes o fez em matéria política, Marcelo extravasou isso: fê-lo per totum, quase monarquicamente. Não foi só mais um Presidente, mas foi não foi além — como constitucionalista pedia-se mais, como entertainer pedia-se menos.

Gostou deste conteúdo?
Ver parcial
Sim
Não
Voltar

Comentários
Comentário enviado com sucesso!

Chat Online