Todas as semanas dizia a mesma coisa aos assistentes sociais: “A minha filha vem buscar-me esta quinta-feira.” Depois de um episódio que a levou às urgências de uma unidade de saúde no Norte do país, Maria (nome fictício) recebeu alta médica, mas ficou a viver no hospital. Uma situação de abandono que se arrastou por longas semanas. “A sua filha perdeu o autocarro”, dizia-lhe, repetidamente, o diretor artístico dos Palhaços d’Opital, uma associação sem fins lucrativos que diariamente visita idosos internados no Serviço Nacional de Saúde (SNS).
A história de Maria, octogenária, está longe de ser um caso isolado. Se durante a pandemia o abandono de idosos nos hospitais teve uma redução significativa, atualmente regista-se um aumento drástico, segundo os dados do sétimo Barómetro de Internamentos Sociais, do último ano, estavam internados “de forma inapropriada” quase 1700 pessoas.
Um número que se traduz num aumento de 60% relativamente ao ano anterior, quando se totalizavam 1048 casos. Abandonados pelas famílias, sem recursos financeiros, habitação ou em lista de espera para lares, resta-lhes pouco mais do que aceitar a vida confinada entre as paredes de um quarto de hospital ou de um corredor.
Foi de tanto esperar pela quinta-feira que a Maria começou a convencer-se de que aquela era realmente a sua casa — o hospital que a recolhera. O animador e diretor artístico, que já se dedica há quase duas décadas a levar diariamente a alegria aos idosos internados, desabafa: “Quando saio do personagem [Doutor Risotto, como é conhecido entre os doentes], é impossível não ficar a pensar no quão descartáveis são consideradas estas pessoas.”
O presidente da União das Misericórdias, traça um cenário “dramático”: “Esta situação que se passa nos hospitais do SNS é gravíssima.” E se para os idosos aceitar uma realidade tão dura como o abandono é difícil, as consequências em termos da assistência à população em geral facilmente se tornam sistémicas.
Um hospital é destinado a internamentos curtos. Ora, por exemplo, se temos 100 camas e 30 estão ocupadas por vagas sociais, por doentes com alta, mas que não têm para onde ir, obviamente que todo o sistema fica comprometido. Sabe-se que há uma redução da capacidade instalada que impede o acesso a quem realmente precisa e revela, ao mesmo tempo, uma enorme ineficácia e desperdício do sistema.
Segundo um estudo, realizado pela Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH) e com o apoio da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (SPMI) e da Associação dos Profissionais de Serviço Social (APSS), os internamentos sociais custam quase €52 milhões por ano ao Estado. Mais uma vez, comparando com dados do ano anterior, o aumento é considerável: em 2022, no pós Covide, o valor anual destes custos ficou pelos €19,5 milhões.
O problema não é apenas social ou financeiro, por isso se chama a atenção para outra variável: Além dos problemas causados pela ocupação total, os idosos abandonados nos hospitais ficam, naturalmente, mais expostos e vulneráveis, aos riscos acrescidos-.
O diálogo entre os hospitais, Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e Ministério da Saúde foi considerado numa portaria de 2 de fevereiro do último ano, precisamente para um melhor planeamento da alta hospitalar, assim como a articulação institucional com lares, misericórdias e IPSS, com vista ao acolhimento e acompanhamento dos idosos que permanecem internados mesmo após alta hospitalar.
Há imensos casos de abandono. Falamos de pais ou mães que são deixados no hospital e que nunca mais os vão visitar ou levam para casa. Tem muito a ver com o envelhecimento da população e com o facto de a sociedade não estar estruturada para as alterações demográficas. O apoio domiciliário não responde às necessidades destas pessoas.