Opinião: João de Jesus Nunes | A revolução do sono
Por Jornal Fórum
Publicado em 25/06/2025 09:00
Opinião

Acabei de ler este livro, da grega Arianna Huffington, que explica por que razão estamos tão cansadose como isso pode mudar.  

Eu e a minha mulher somos pessoas que sempre dormimos pouco. Dormir sete horas consecutivas é, para nós, de difícil concretização. Nem mesmo a medicação destinada a esse fim, muitas vezes, produz os efeitos desejados.  

Vivemos cansados, estamos habituados ao cansaço e achamos que ele é o preço a pagar para alcançarmos o sucesso e atingirmos os nossos objetivos pessoais e profissionais. Estamos, de facto, numa crise de privação de sono, que tem impacto profundo na nossa qualidade de vida. 

O sono é um elemento-chave do nosso bem-estar e interage profundamente com todas as outras dimensões da saúde. A principal mensagem deste livro é clara: assim que se começa a dormir sete ou oito horas por noite, torna-se mais fácil meditar, fazer exercício físico, tomar decisões mais inteligentes e estabelecer conexões mais profundas connosco próprios e com os outros. 

Ao mesmo tempo que a ciência do sono avança, sentimos uma necessidade urgente de redescobrir o seu mistério. Cada noite pode ser um lembrete de que somos mais do que a soma dos nossos sucessos e fracassos.  

Estamos realmente a viver uma crise do sono. Mais de 40% dos norte-americanos dormem menos do que o mínimo recomendado de sete horas por noite – e as estatísticas no resto do mundo são semelhantes ou até piores. 

Na história do sono, só agora estamos a começar a sair de uma fase que teve início com a Revolução Industrial, altura em que o sono passou a ser visto apenas como um obstáculo ao trabalho. O século XX viu o movimento operário lutar contra essa invasão da vida pessoal, e mais tarde, com o surgimento da nova ciência do sono, começámos a compreender que ele está profundamente ligado a todos os aspetos do trabalho na nossa vida pessoal. E mais tarde, com o nascimento da nova ciência do sono, começámos a descobrir que este está, na realidade, profundamente ligado a todos os aspetos da saúde física e mental. A falta de sono está associada a um maior risco de diabetes, obesidade e da doença de Alzheimer. Devemos, pois, estar atentos a perturbações do sono, como a apneia, a insónia e aà curiosa “síndrome da cabeça explosiva” – sim, é mesmo esse o nome científico.  

A nossa atual crise de sono 

Sarvshreshth Gupta era analista de primeiro ano na Goldman Sachs, em S. Francisco, em 2015. Esmagado por semanas de trabalho de cem horas, decidiu sair do banco em março. Pouco depois, regressou – não se sabe ao certo se por vontade própria ou por pressão. Uma semana depois, ligou ao pai, às 2h40 da manhã. Disse que não dormia há dois dias, que estava a terminar uma apresentação e a preparar-se para uma reunião matinal – sozinho no escritório. O pai aconselhou-o a ir para casa, mas Gupta respondeu que ficaria apenas “mais um pouco”. Horas depois, foi encontrado morto na rua, em frente de casa. Saltara do arranha-céus onde vivia. 

Segundo uma sondagem recente da Gallup, 40% dos adultos americanos dormem significativamente menos do que o mínimo recomendado – uma estatística já referida acima. 

Dormir o suficiente, diz a Dra. Judith Owens, diretora do Centro para Perturbações do Sono Pediátricas do Hospital Infantil de Boston, é “tão importante como uma boa alimentação, a prática de atividade física e o uso do cinto de segurança”. Contudo, a maioria das pessoas subestima gravemente as suas necessidades de sono. 

Um relatório da Fundação Nacional do Sono dos EUA confirma: dois terços das pessoas não dormem o suficiente durante a semana. 

A crise é global. Em 2011, 32% dos inquiridos no Reino Unido disseram dormir, em média, menos de sete horas por noite nos seis meses anteriores. Em 2014 esse número subiu para 60%. Em 2013, mais de um terço dos alemães e dois terços dos japoneses afirmaram não dormir o suficiente durante uma semana. 

Nos rankings das cidades onde se dorme menos, Tóquio lidera com perigosas 5 horas e 45 minutos por noite. Seul regista 6h03, o Dubai 6h13. Singapura 6h27, Hong Kong 6h29 e Las Vegas 6h32. 

E para demasiadas pessoas, o ciclo vicioso da falta de dinheiro alimenta o ciclo da falta de sono. Se alguém trabalha em dois ou três empregos para sobreviver, “dormir mais” dificilmente será uma prioridade. 

As mulheres precisam de mais horas de sono do que os homens e, por isso, os efeitos da privação de sono nelas são ainda mais nocivos, tanto a nível físico como mental. 

Se o esgotamento é a doença da civilização moderna, a privação do sono é uma das suas principais causas. É um paradoxo da vida contemporânea: vivemos exaustos e, mesmo assim, não conseguimos dormir – o que nos deixa ainda mais exaustos no dia seguinte, e no seguinte, e no seguinte…  

Existe, inclusive, uma indústria inteira dedicada a facilitar o sono. Só em 2014, nos EUA, foram prescritas mais de 55 milhões de receitas de comprimidos para dormir, com vendas superiores a 897 milhões de euros. Um relatório de 2013 dos Centros para Controlo e Prevenção e Doenças (CDC) concluiu que 9 milhões de americanos – 4% da população adulta – usam regularmente estes fármacos. As mulheres são as principais consumidoras; o consumo aumenta com a idade e o nível de escolaridade, e os adultos brancos consomem mais do que qualquer outro grupo étnico. 

O café e o chá já existem há séculos. Valorizamo-los pela capacidade de nos manterem despertos, mas muitas culturas também os associam a momentos de pausa, contemplação e sociabilidade – como o famoso coffe break ou a cerimónia do chá japonesa. São rituais que nos convidam a parar. 

Dormir é um dos grandes temas recorrentes na história da Humanidade. E, nas últimas décadas, a ciência tem vindo a validar muito da sabedoria ancestral sobre a importância do sono. 

As quatro etapas do sono 

Depois de finalmente adormecermos, percorremos quatro etapas distintas, cada uma com   

diferentes padrões de ondas cerebrais – que refletem o nível de atividade elétrica do cérebro. 

  1. 1. Primeira etapa Sono leve: transição entre a vigília e o sono. Ainda é fácil acordar; os olhos e os músculos continuam a mover-se. 

  1. 2. Segunda etapa – Sono moderado: o movimento ocular abranda até parar; a temperatura corporal começa a baixar. 

  1. 3. Terceira etapa – Sono profundo (ou sono delta): o cérebro produz ondas lentas e amplas. Nesta fase, os movimentos oculares e musculares cessam quase por completo, e acordar é muito difícil. Se o fizermos, sentimo-nos desorientados. É nesta etapa que ocorrem fenómenos como o sonambulismo e o falar durante o sono. 

 

Nota: embora se diga que os sonâmbulos não devem ser acordados, é mais seguro acordá-los com suavidade e levá-los de volta à cama, devido ao risco de comportamentos imprevisíveis. 

 

  1. 4. Quarta etapa Sono REM (Rapid Eye Movement): inicia-se a cerca de 90 minutos após adormecermos. A respiração acelera, a pressão arterial e os batimentos cardíacos aumentam, e as ondas cerebrais tornam-se semelhantes às do estado da vigília. Nesta fase os músculos ficam paralisados. É também quando ocorrem a maioria dos sonhos – e é mais fácil recordá-los se formos acordados neste momento. 

Sono, memória e função cognitiva 

A ciência começa também a desvendar a ligação entre o sono e memória. Um estudo recente da Universidade da Califórnia, em Berkeley, revelou uma correlação entre privação de sono e défices de memória, relacionados com a acumulação da proteína beta-amiloide – tida como uma das causas da doença de Alzheimer 

A prática das sestas ainda carrega o estigma cultural de preguiça, mas os seus benefícios são conhecidos por muitos líderes ao longo da história: 

Margaret Thatcher exigia não ser incomodada entre as 14h30 às 15h30. 

- John F. Kennedy fazia uma longa soneca diária (e tinha uma cama no Air Force One).  

- Charlie Rose, apresentador, que jura fazer até três sestas por dia para estar no seu melhor no ar, chegou a dormir no carro (com uma máscara de olhos) a caminho de entrevistar Vladimir Putin em Moscovo, em 2015.  

- Winston Churchill é considerado o inventor do termo “sestas de energia”. 

O Papa Francisco não foi apenas um líder espiritual global, foi também um embaixador itinerante das sestas. “Eu tiro os sapatos”, disse o Papa, “e deito-me na cama para descansar”.  

- E outro líder espiritual, o Dalai Lama, compreende tanto o poder de uma sesta como o do sono em geral. 

No reino animal, o sono também é essencial. O poder do sono no reino animal é exemplificado pela chita. É o animal terrestre mais rápido do planeta – capaz de acelerar de zero a 96 Km por hora em apenas três segundosdorme até 18 horas por dia. 

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