Estávamos em sessenta e oito por aí, penso que por alturas do meio da primavera, eu e o Pedro resolvemos ir a pé para Unhais da Serra. Outros tempos, acessibilidades e transportes muito limitados e estrada em obras desde Tortosendo a Unhais da Serra. A reta desde o Alto da Portela até ao Ourondinho estava em socalcos de terra, troço que veio cortar a histórica Curva da Chouriça, que ainda lá se encontra e onde a Vera Silva, minha companheira de músicas em diversas ocasiões, tem uma quinta que lhe dá muito trabalho. Conheci o Pedro Marques Pedro, de nome capicua, na cidade, no meu tempo de estudante e foi o início de uma amizade para sempre. Resolvemos então num fim de semana irmos a pé até Unhais. Não era promessa, era uma aventura cheia de amor pela nossa sincera amizade. E lá fomos. Devemos ter demorado umas horas. Bom tempo, mas muitas obras pelo caminho e nós de fato domingueiro.
Meus pais lá nos abrigaram nesse fim de semana. Unhais tinha mais gente que hoje. Era um ambiente fantástico. Outros tempos! O cinema local ambulante, ia a muitas localidades desde Belmonte a Alcains. Naquele domingo o filme era de Gianni Morandi, “Non sono degno di te”. A sala estava cheia, era o costume. O som da música a anunciar o filme, na janela inferior da casa paroquial, ecoava no vale de Unhais.
Pedro estava encantado com o ambiente diferente do da nossa cidade. Era uma aldeia com mais vida que agora. Já lá vão quase sessenta anos, muitas lembranças já me falham.
Pedro casou com a filha do senhor Raul Bonina, oculista de profissão. Era um homem com uma personalidade vertical e muito simpático. A sua loja, ainda hoje aberta ao público, era a número um na cidade. Qualidade e simpatia, não subestimando outras lojas que a existirem não me recordo. Aquela casa foi sempre a fornecedora da minha família desde os meus pais aos meus irmãos. O senhor Bonina partiu cedo e Pedro tomou conta da loja, com sua esposa filha do senhor Bonina e seu irmão Filipe, outra joia de moço. Os dois sempre me deram uma atenção especial, pois ali fazia a manutenção dos meus óculos. Nunca se recusou a ajudar-me e muitas facilidades me criou. Aliás, aquela casa sempre ajudou muita gente. Os óculos velhos que clientes ali deixavam, eram guardados para doarem a outros mais pobres. Recentemente fui operado e lá esteve sempre a casa pronta a atender as minhas afrontas ou exigências. Um dia fomos lanchar e depois da habitual conversa obrigatória, paguei a despesa. Então Pedro disse-me: - Tu pagas o lanche e eu ofereço-te as lentes de sol! Recentemente comprei uns óculos, fracos em resistência. Distraído como sempre, andei uma tarde sem uma lente. Só chegado a casa vejo a lente no estojo. Para rir pois! Sem hesitação,
ofereceu-me uns óculos novos completos. Fiquei emocionado que baste. Tantos anos de bem fazer. O Filipe é um artista no manusear da maquinaria no laboratório. Teve já momentos difíceis na sua vida, mas a sua simpatia tem-no compensado por isso. Apesar de tudo vai andando bem. Sempre disponível. A filha do Pedro, a Ana, ali está para dar de si na receção aos clientes. Cara linda, cai sempre bem ao cliente. Só lá falta o Carlos, o mais velho. Quase engenheiro em aeronáutica, é um poço de saber de uma forma generalizada. Noutros ramos de negócio é sempre lembrado por mim naquela casa. Pedro teve momentos muito duros na sua vida. Conseguiu ultrapassá-los, que remédio. Quando nos encontramos nas músicas, lembramos sempre o Arraial, do João Ferreira Rosa, fado amado pelo Pedro. Passados estes anos e como forma de agradecimento, aqui estou de coração aberto a lembrar tempos e momentos bons e maus. Só falta aqui e para acabar, uma boa anedota do Pedro. Seria talvez aquela do cão que matou a sogra mas essa fica para o ambiente do café.
Obrigado Pedro e arredores, por tudo o que tens dado à comunidade covilhanense.
