Durante um largo período, nos finais do primeiro milénio antes de Cristo e nos inícios do milénio seguinte, junto ao templo de Jerusalém e nas regiões, entretanto ocupadas pelos Romanos, adjacentes, pelo menos até à destruição deste (segundo) templo no ano 70 d. C., surgiram várias correntes do judaísmo, inclusive o próprio cristianismo primitivo, por volta de 33 d. C.. Essas correntes interpretavam a Lei de Moisés de formas diferentes, seguindo tradições e valorizando diferentes aspetos no seu quotidiano. Reconheciam-se, entre os judeus, fundamentalmente, quatro diferentes grupos, a saber: os fariseus, seguintes da lei escrita e da tradição presente na lei oral; os saduceus, mais elitistas e politicamente influentes, nomeadamente no Sinédrio; os zelotes, crentes na luta armada e na oposição à ocupação romana; e, para o que nos interessa de momento, os essénios. Estes últimos, adotavam costumes particulares, que os destacavam. Os essénios praticavam uma vida em comunidade, por vezes isolada da irrequieta cidade velha, adotando práticas de abstinência e de pacifismo. Contudo, toda esta postura aparentemente passiva provinha de uma crença, anterior ao judaísmo como um todo e presente em quase todas as religiões contemporâneas ou posteriores: a crença no fim dos tempos.
Os essénios eram uma subcorrente do judaísmo particularmente marcada pela crença no apocalipse, no caso, um fim dos tempos messiânico, avisado pelos profetas e marcado pela chegada de um salvador. A crença presente e constante no final próximo, fazia crescer nestas comunidades uma presença pacífica de paz interior e exterior, encarando o término do mundo com a tranquilidade necessária para a salvação. A presença constante desta ideia, o apocalipse ao virar da esquina, era interpretada e vivida de uma maneira não alarmista, mas cautelosa; não ansiosa, mas expectante; não derrotista, mas esperançosa.
Hoje, a crença no fim dos tempos, continua perpetuada em vários credos religiosos, espirituais e até político-sociais (não há muito tempo, uma determinada corrente política tentava criar um espaço físico para a gestação de uma “nova humanidade” acabando com vidas humanas pela simples razão da destruição — que se diga: para os milhões que perderam a vida, independentemente da sua crença, foi um verdadeiro apocalipse). Esta perpetuação é maximizada pelo soar dos alertas (perdão, alarmes) constantes. Ainda que exagerados e ligados à desinformação, criam uma sensação de final próximo iminente. Não é raro se ouvir que antigamente não havia nada disto. Creio que as vítimas do Ballet Rose discordariam. É evidente que o bombardeamento ao segundo de informação mirada às emoções e às reações, perturba a sanidade mental de qualquer um. E é aqui que surgem os semi-essénios.
São semi porque não merecem o título e porque encaram o (alegado) fim iminente de uma maneira altamente tóxica e alarmista. Aconteceu com o Covid, aconteceu com as vacinas e agora torna a acontecer com o apagão. Alguém me explica qual a razão para se comprar um produto congelado, se não há eletricidade? Alguém me explica a lógica de comprar litros de água, se as torneiras continuam a correr? O título de semis só lhes serve para os essénios, porque com a quantidade de papel higiénico comprado são bem mais do que semis numa outra atividade.
Dei esta volta milenar para dizer simplesmente isto: deve valorizar-se a filtragem pessoal (nunca de terceiros) de informação. Devem valorizar-se, também, os mecanismos independentes de verificações, mas não há nada como parar, pensar, procurar e perguntar. E não chega: há que confrontar o nosso próprio pensamento, os resultados da nossa pesquisa e, principalmente, o que nos é dito. Não se trata de duvidar de tudo e de um ceticismo (ou será conspiracionismo) crónico — trata-se, sim, de procurar a verdade com base na ciência, na factualidade e na credibilidade, assumindo, por vezes, que não vamos conseguir alcançar todo o conhecimento…mas vamos, pelo menos, tentando.