O problema contemporâneo associado às redes sociais, de maior relevo, é o da desinformação. A partilha deste tipo de conteúdos pode ser um acto inocente, mas a sua criação não é. Ambas são, no mínimo, negligentes. A criação só pode ser dolosa. Com a avalanche informativa e o rápido acesso a fontes credíveis, há, além de má vontade, um grande desleixo por parte de uma falange absolutista. Há diversos fatores a considerar: a preguiça, a vontade incansável de ter razão, a confirmação de uma crença injustificada anterior. A desinformação não mexe apenas no campo factual — aliás, é alheia a este. A falsa informação brinca com o campo das emoções. Se aparecesse uma (putativa) notícia dizendo “encontrada cura absoluta para o cancro”, a emoção seria a alegria — ainda que logo substituída pela desilusão. Esta falsa notícia dar-nos-ia alguma esperança — não chegamos ao resultado, mas estamos no caminho. Mas as fake news não brincam com estas emoções. Brincam, sim, com a raiva, a ira e o ódio. Não se cria uma história ficcional para propagação sem um motivo por trás. E o motivo é apelar à ação pela frustração do leitor.
Porque está o leitor frustrado? Porque tem um emprego de merda (quando o tem), porque os vizinhos fazem muito barulho, porque passa os dias sozinho, sem um pingo de atenção, porque a mulher do amigo é esteticamente mais apelativa que sua, porque está afastado dos filhos e dos netos, esquecido; em suma, porque não consegue materializar os seus sonhos e desejos. Esta frustração abstrata, quase generalizada, vai enchendo o copo da ira. Gota a gota, o transbordo fica cada vez mais próximo. No passado, para ser ouvida, a pessoa saía, para um café ou um jardim, onde fazia conversa com fulano e beltrano. O acto de sair de casa, de estar em público, atenua, seguramente, a causa raivosa. O animal social humano relacionava-se. Agora, basta abrir o telemóvel e aceder a qualquer rede social. O algoritmo dá uma ajuda e nichos informativos, conspiracionistas, têm a mesma relevância que informações reais e credíveis. E isto conecta-se com outro ponto relevante: o facto de estar todo o mundo, alegadamente, contra o leitor. [A sua mente está segura disso. É tudo falso, tudo mentira. Agora tudo faz sentido. A navalha de Ockham é um lixo…não pode ser assim. A mim ninguém me engana]. Factos são factos e opiniões são opiniões. Há uma linha ténue, contudo, no que toca a teorias, em qualquer área do saber. Há espaço, dentro dos moldes normais de um conversa minimamente informada, para a colocação de hipóteses, de caminhos alternativos, muitas vezes em confronto com verdades estabelecidas. Mas tem de haver um limite. Não podemos continuar na verificação de factos em cada discussão. Parece o jogo do STOP. Argumento, pausa para fact checking, contra argumento, nova pausa.
No caso das redes sociais, como se combataria isto? Sei que a questão dos dados é bastantes sensível, como temos visto nas passadas semanas com a utilização da Meta de informações pessoais para o treino de modelos de inteligência artificial. Mesmo quem fez aquelas publicações de copiar e colar — surpresa — vai ter as informações usadas. Salvo, se tiver acedido ao formulário de oposição. Mas, pessoalmente, penso ser essa a forma de combate à desinformação. Uma pessoa = um perfil; verificado pelo documento de identificação à escolha (CC, BI, Carta de Condução, Passaporte) e por um vídeo para comparação de dados biométricos. Dirão que é excessivo — um pouco, mas é sempre revogável, a qualquer tempo. Só se aplicaria aos perfis, mas seria possível ver qual perfil estava por trás de qualquer outra página criada. Matavam-se dois coelhos: o dos perfis falsos e o da propagação, por perfis sem cara, sem nome e sem verdade, de falsa informação. Temos hoje empresas de controlo de dados biométricos seguras, quase impenetráveis a fugas de informação. Quem não aceitasse, teria o mesmo remédio de quem não quer que a sua informação seja usada por IA: oposição e, consequente, deleção da conta; esta segunda continua a ser a melhor maneira de evitar a exposição de dados. Talvez seja uma medida agravada, mas penso que justificável e razoável.
