Há alianças que nascem do cálculo, da conveniência e não da afinidade ou do alinhamento ideológico. A história está cheia delas mas poucas tão representativas e impactantes no nosso tempo como a aliança pouco provável entre Donald Trump e Elon Musk. O magnata visionário em termos negociais e um populista incendiário. De um lado, temos o engenheiro dos sonhos além do planeta Terra, do outro, um desestabilizador nato, que coloca em causa o próprio status quo. Inicialmente, pareciam feitos um para o outro. e de facto foram.
Na altura da campanha, houve uma espécie de simbiose perfeita entre o magnata e o então candidato a presidente dos EUA. Musk investiu uma autêntica fortuna na candidatura de Trump, não tanto por uma questão de proximidade ideológica mas acima de tudo por um pragmatismo brutal que sempre foi seu apanágio. Canalizou mais de 250 milhões de dólares para a campanha republicana. Importa perceber que não se tratava apenas de um apoio financeiro. Era mais que isso. Foi um gesto simbólico, uma espécie de selo de validação por parte de um dos mais influentes empresários no panorama internacional.
Trump, por seu lado, agradeceu com aquilo que podia oferecer: poder. Com efeito, criou uma estrutura dedicada a Musk, o DOGE, Departamento de Eficiência Governamental e deu-lhe uma espécie de carta branca para cortar, para reformar e para inovar, garantido uma maior eficiência na gestão que lhe estava alocada. Uma espécie de start-up governativa, o Estado como mais uma das empresas lideradas por Trump. Mas o sonho durou pouco.
Com o regresso de Trump à Casa Branca, vieram também os velhos hábitos que caraterizaram o seu primeiro mandato. O protecionismo, a impulsividade e uma espécie de culto ao líder. Se Musk pensava capitalizar com esta proximidade e relação privilegiada com Trump, a verdade mostrou-nos o contrário. Como oportunamente disse, na Rádio Fórum, a relação entre Trump e Musk tinha os dias contados. O presidente dos EUA e o seu governo implementaram uma reforma fiscal que afeta diretamente as grandes empresas. Se outrora Musk estava habituado a ser quase cortejado pela classe política, de repente viu-se encurralado numa posição que nada o beneficiava em termos empresariais. Zangou-se.
O presidente dos EUA, por sua vez, não é homem de aceitar afrontas. No mundo de Trump, só existe preto ou branco, claro ou escuro, amigo ou inimigo. Se no início da relação entre ambos Trump parecia orbitar à volta do atual líder da maior potência mundial, atualmente, está em clara rota de colisão.
A anunciada rutura entre ambos marca o fim de uma amizade mas pode significar mais que isso. Pode significar o início de uma nova frente de guerra, a tecnologia contra a política. Uma coisa é certa, os danos colaterais serão certamente maiores do que apenas no âmbito pessoal ou financeiro. É uma disputa simbólica sobre o futuro dos EUA que agora se inicia. O que tem mais peso? O Estado ou o mercado? O voto ou os algoritmos? Não sei responder. Trump vê o poder como um espelho, brutal e impulsivo, também instintivo. Musk olha para o poder como uma ferramenta para atingir os seus objetivos.
Se por um lado Trump quer uma espécie de regresso ao passado, na grandeza dos EUA, nos hábitos, valores e princípios, Musk quer a conquista do amanhã. Curiosamente, há um elo que os une nesta guerra aberta. O atual presidente dos EUA precisa do sistema político que diz querer destruir para exercer o seu poder. Elon Musk precisa do sistema porque depende de contratos governamentais, de uma legislação favorável e, acima de tudo, de apoio institucional.
Qual deles perde com isto? Também não sei, mas diria que ambos. Musk perdeu exorbitantes quantidades de dinheiro, Trump perdeu um aliado rico e influente, numa altura que o partido que lidera precisa de todos os recursos possíveis para garantir sucesso num ciclo eleitoral imprevisível, a médio prazo. Ambos saem prejudicados, mas não sabemos quanto.
Certo é que esta história ainda terá novos capítulos. Será escrita de acordo com a capacidade que estas figuras terão junto do povo. Parece-me que há um risco evidente: o de ambos perceberem que poderão ter mais influência separados do que juntos. Duas narrativas antagónicas, dois polos de atração distintos. Veremos o que o futuro nos reserva. Será que temos de escolher um lado? Ou quem sabe, talvez consigamos e tenhamos de aprender a viver sem eles. Talvez o mundo precise da segunda opção.
