Diretor: Vitor Aleixo
Ano: XI
Nº: 587

O Treinador e o Homem de Ferro Voltar

A capacidade de influenciar o comportamento dos atletas é sem dúvida uma das mais importantes competências do treinador. Para tal, compreender o funcionamento psico-emocional em contexto de performance, torna-se indispensável. Numa linguagem simplificada, podemos dizer que por vezes encontramos momentos em que os atletas estão num nível de ativação psicológica exagerado. Por outro lado, noutros momentos, o nível de ativação é exageradamente baixo. Neste sentido, o treinador deve agir com o intuito de aproximar os níveis de ativação psicológica de cada atleta, num patamar que seja benéfico para cada um deles e para a equipa, potenciando assim o seu rendimento.

Então o Homem tem que ser de Ferro? Por vezes terá de ser, mesmo sabendo que todas as condicionantes que envolvem o espetáculo desportivo colocam em cima do treinador holofotes com uma intensidade luminosa excessivamente elevada, situação que por vezes lhe provoca descontrolo emocional, e consequentemente influência todos os que o envolvem, desde os jogadores, até aos adeptos que se encontram nas suas casas a assistir ao espetáculo. Diria mesmo que muitas vezes pode ter de abdicar de transparecer a sua genuinidade emocional, fazendo intencionalmente transbordar outras emoções, no sentido de despoletar os comportamentos desejados nos seus atletas.

Vejamos dois exemplos distintos:

Sérgio Conceição é um treinador que merece tudo o que conquistou, tem uma competência incrível. No entanto, na minha opinião é um ser tão genuíno e autêntico que por vezes não adequa o seu comportamento aos momentos que a equipa do Futebol Clube do Porto necessitaria. Ou seja, em algumas vezes interpretei que a sua equipa se encontrava com sentimentos de insegurança e com níveis de ansiedade elevada, sendo necessário que estímulos exteriores contrariassem essa tendência, aumentando os níveis de autoconfiança e resiliência dos jogadores. Porém, em muitos desses momentos o comportamento do Sérgio Conceição transparecia ainda mais nervosismo, descontentamento e irritação, tornando-se num elemento que estaria a contribuir para aumentar ainda mais os níveis de ansiedade dos seus atletas. Argumenta o leitor, mas eles são jogadores profissionais, são pagos para isso, têm de responder positivamente! Tudo certo! Contudo, são seres humanos que muitas vezes não foram preparados intensamente ao longo da sua formação, para momentos de maior pressão psicológica. Se vir o desequilíbrio competitivo dos escalões de formação dos três grandes, e o reflexo destes nas respetivas classificações, verifica que muitos dos jovens jogadores têm muito pouco tempo em situações de elevada exigência competitiva, sendo este um dos fatores que coloca em causa a sua resistência psicológica a este tipo ambiente.

Vamos agora incidir a nossa reflexão num treinador de futsal que muito admiro, Jorge Brás considerado o melhor do mundo da modalidade. Ver Jorge Braz a atirar o quadro tático ao chão enquanto faz a sua palestra, ou outros comportamentos semelhantes não são habituais no técnico nacional. Aliás, durante os jogos podemos constatar que apresenta uma calma admirável, mostrando maioritariamente a sua efusividade quanto a nossa seleção atinge momentos de sucesso (golos e vitórias). No entanto, no último jogo contra a Espanha, antes do prolongamento teve um comportamento que não é normal nele. E porquê? Porque com a sua alteração de comportamento quis despoletar uma mudança de comportamentos (e pensamentos) nos seus jogadores. Quis motivá-los, quis que acreditassem que eram melhores que o adversário e para isso teve um comportamento impactante, que inteligentemente estava em consonância com o que desejaria provocar nos seus jogadores. Curiosamente, até num momento que muitos o fariam de forma rude, Jorge Braz manteve a sua autenticidade constante usando expressões de boa educação e conduta intocável, “pedindo desculpa” antes de atirar o quadro tático ao chão. Deixo-lhe a expressão “Desculpem lá! (pausa - instantes para avaliar o impacto do comportamento e decide atirar o quadro para o chão) Ando há vinte anos a dizer que somos melhor do que eles. Somos! Acreditem!” Caso para adaptar a célebre expressão de Einstein, Jorge Brás quis resultados diferentes, fazendo coisas diferentes.

 

                                                                                                                              João Sá Pinho, Professor

- 07 out, 2021