Diretor: Vitor Aleixo
Ano: XI
Nº: 587

As redes sociais são o quinto poder? Voltar

Um Estado sem poder não existe. Porém, a forma como se encontra estruturado é uma referência evidente da sua condição. Os países que desenvolveram a separação de poderes, sobretudo depois do impulso iniciático de Montesquieu, assentam o reforço do estado de direito democrático na divisão e distribuição desse poder, evitando a concentração do mesmo numa pessoa e, nesse sentido, a existência de estados totalitários e ditatoriais. A nossa identidade ocidental há muito que confia na regulação da vida em comunidade monitorizada e exercida pelos poderes legislativo, executivo e judicial. Entretanto, ao longo dos anos de construção e consolidação das democracias na geografia europeia e mundial a comunicação foi conquistando espaço e ganhando um poder determinante no reforço dos direitos, liberdades e garantias, assumindo-se como mais um mecanismo de vigilância social e política. Ao longo de todo este tempo de caminho democrático, as redações dos meios de comunicação social conseguiram, por via da informação veiculada, derrubar governos, fazer eleger outros, promover ou despromover esta ou aquela ideia ou personalidade. No cumprimento do seu dever de informar e com base no seu enorme contributo para o alargamento das geografias democráticas e do mundo livre, a comunicação social foi-se assumindo como o “quarto poder” que, de certa forma, monitorizou e monitoriza os outros três. A evolução tecnológica e a disseminação da informação, que corre agora a uma velocidade estonteante, fez entrar em cena um outro poder, o das redes sociais. Ainda é muito cedo para percebermos, verdadeiramente, os efeitos da sua utilização, para o bem e para o mal. Porém, os sinais destes últimos anos são tão interessantes quanto perigosos. Não podemos ainda afirmar que as redes sociais sejam o quinto-poder na medida em que escrutinam, em direto, todos os outros poderes e tudo o que acontece no mundo que conhecemos. Ou seja, se por um lado, a democratização no acesso à informação se traduz num saldo muito positivo, por outro, a produção e proliferação de informação sem controlo ou verificação da sua veracidade começa a fazer muitos estragos a nível individual e coletivo. Os especialistas destas matérias há muito que estudam e debatem sobre a influência das redes sociais nas sociedades contemporâneas com destaque para o efeito que têm nas relações interpessoais e na influência que podem exercer sobre os resultados eleitorais das eleições em diversos níveis e escalas. Sem recorrermos a grandes estudos científicos já todos percebemos que as redes sociais têm dois lados, um é bom e o outro é negro, muito negro. E é precisamente esse lado negro que deve merecer a nossa atenção e sobretudo o nosso combate. O desenho e disseminação de notícias falsas, a calúnia, o insulto gratuito e a quase impunidade dos arruaceiros que, atrás dos biombos do anonimato, atiram lama a tudo e a todos, têm que ter um fim ou, pelo menos, uma consequência. As sociedades democráticas que se prezam de o ser não podem agora andar para trás e, pela via de terem mais informação, regressarem ao tempo das trevas da idade média, fazendo do ecrã colado à palma da mão um pelourinho onde tudo é fustigado violentamente, sem possibilidade de defesa ou contraditório. Por estes dias em que acontecem a pré-campanha e a campanha eleitoral para as próximas eleições autárquicas temos assistido por aí à estrondosa atuação das “máquinas de lama” em que as redes sociais se transformaram, atacando adversários, transformados em inimigos e alvos a abater, com tudo o que a imaginação de gente desesperada por segurar o “posto” pode alcançar. Este movimento gerou uma nova profissão de “maldizentes” e controladores de “likes” nas redes sociais que são agora os bufos do tempo novo e os melhores “lambe cubistas” da atualidade. A memória e a história deviam ser luzes no meio desta escuridão que vai proliferando pela montanha de valores que custou tanto esforço, suor e lágrimas a erguer. Não, a democracia não pode deixar que as redes sociais se assumam como quinto poder, pelo menos enquanto não se definirem os necessários travões que é preciso puxar sempre que o perigo se aproximar. A conjugação de liberdade e responsabilidade será sempre a base da argamassa das coisas sólidas e referenciais. E, como sempre, haverá momentos em que alguns corajosos e sacrificados terão que fazer por todos para que tudo não resvale para a vala lamacenta onde querem, a toda a força, colocar os pilares da democracia para que deslizem para campos minados e sem escrúpulos. Não, não passarão!

                                                                                                              Miguel Nascimento, Presidente da RCB

- 25 set, 2021