Diretor: Vitor Aleixo
Ano: XI
Nº: 587

Impacto da distância “social” para os mais idosos: o “novo normal” nos lares de idosos Voltar

Fez um ano, no dia 17 de novembro, um hospital chinês de Hubei recebeu o primeiro doente com sintomas de um vírus desconhecido e duas semanas mais tarde as autoridades chinesas registaram oficialmente o primeiro doente com covid-19. Ninguém imaginaria que uma ano depois aquele vírus chegaria aos 5 continentes, infetaria quase 60 milhões de pessoas e se transformaria na maior pandemia do século, uma verdadeira pandemia global – decretada pela OMS em 11 de março passado.

Depois de uma primeira vaga ocorrida na primavera em que Portugal registou comparativamente com outros países alguns resultados muito animadores, estamos em plena segunda vaga a assistir a aumento significativo do número de doentes portadores do vírus e de mortes resultantes da doença, o que coloca Portugal entre os países europeus com piores estatísticas na área covid.

Uma das consequências do estado pandémico, que já leva 9 meses, é uma crise económica e social à escala global como não se assistia desde a II Grande Guerra, com uma quebra significativa do produto Interno e aumento crescente do desemprego resultantes da destruição do tecido económico e social.

Aparentemente, esta pandemia arrastava consigo uma marca de abrangência democrática, ou seja, não escolhia as vítimas em função do seu estatuto social, da sua condição de vida ou da sua localização. Aparentemente seria verdade, mas depressa se concluiu que essa premissa era falaciosa.

As regras impostas pela pandemia estão a afetar todas as pessoas, mas há um grupo particularmente vulnerável e isso ficou evidente ao longo dos últimos meses.

Trata-se dos idosos, e particularmente dos que vivem em lares onde a letalidade é mais elevada e se têm verificado maior número de óbitos.

O facto do confinamento e isolamento constituírem uma das respostas mais eficazes no controlo da propagação do vírus, obrigou os lares a suspender as visitas aos utentes, apanhou de surpresa todos quantos vivem em estruturas residenciais para idosos.

 

Entre as vagas da pandemia ainda se abriram as visitas em muitos lares de idosos, mas sem contacto físico e a determinada distância. Foi um mal menor mas que compreendeu muito menos visitas, barreiras de acrílico que dificultam a comunicação e vigilância de funcionários em momentos que seriam de convívio e privacidade familiar.

O impacto da pandemia na saúde física e mental dos mais velhos já se faz sentir.

As restrições impostas pela diminuição das atividades com dimensão cognitiva e física, a par da diminuição drástica ou mesmo ausência de visitas levaram a retrocessos do bem estar físico e mental dos idosos facilmente observados pela redução da mobilidade, pelo surgimento do aumento de casos de ansiedade e depressão, alterações do sono e reativação de perdas anteriores.

Ficaram mais expostas as fragilidades humanas, que exigem aos trabalhadores dos lares de idosos uma resiliência e uma entrega ao próximo muitas vezes no limiar das suas capacidades, entrega que tem que ser compaginada com um rigoroso cumprimento das regras, normas e exigências da Direção Geral de Saúde que impeçam a propagação do vírus aos idosos.

Mas que também exigiram às Instituições do Setor Social, elas próprias exauridas e sem recursos, uma adaptação ao “novo normal” da vida dos lares e às novas rotinas dos seus utentes.

O Estado não poderá deixar de apoiar as Instituições para que estas possam responder de forma mais eficaz, por exemplo, ao nível da medicina física e de reabilitação, através do apoio na contratação de fisioterapeutas, adaptação de espaços e aquisição de equipamentos. Por outro lado, o trabalho dos aspetos emocionais, cognitivos e comportamentais deverão ser realizados preferencialmente em sessões individuais diminuindo as terapias de grupo o que exige maior número de profissionais nestas áreas a alocar aos lares de idosos. Só reforçando estes pilares de trabalho social e comunitário se poderá reganhar algum bem-estar físico e mental dos nossos idosos.

Mas o próximo desafio que se coloca ao dia a dia dos lares de idosos avizinha-se e tem uma dimensão simbólica universal: o Natal está à porta e os nossos idosos não nos perdoarão se lhes roubarmos essa importante data cristã.

Abordei neste texto o “novo normal” que se vive nos lares de idosos e que afeta os idosos aí residentes. Mas não posso escamotear a existência dos  “Censos Sénior 2017” e dados provenientes do Instituto Nacional de Estatística indicam que cerca de 1 milhão de idosos em Portugal se encontra em situação de solidão ou isolamento agravados severamente agora com a pandemia.

As políticas públicas não podem deixar de olhar para estes grupos de risco. E tomar medidas. Mas disto não oiço falar. Porque da bruma dos dias o ruído é mais audível pelos decisores políticos que o rumoroso silêncio dos nossos idosos.

Carlos Jerónimo

 

 

- 24 nov, 2020
- Carlos Jerónimo