Através de um relatório que foi revelado por um diário da nossa capital, este refere que um quinto das fundações de solidariedade social existentes em Portugal (num total de 178) não têm quaisquer beneficiários. É por isso que estão, agora, em risco de perder o estatuto e os benefícios que lhes estão associados.
Refere, ainda, aquele estudo, que metade dos apoios públicos é absorvido por 16 entidades, o mesmo número das que, no último triénio, já não receberam qualquer fundo comunitário ou do Estado.
Ainda que o exercício de funções numa fundação de solidariedade social deva ser, em regra, não remunerado, de acordo com o mais recente relatório da Inspeção-Geral das Finanças, existem em Portugal cerca de 100 dirigentes que auferem choruda remuneração.
A realidade torna-se mais surpreendente ao saber-se que dois deles têm mesmo um rendimento superior ao do nosso primeiro-ministro, de acordo com os dados desse relatório.
Não quero, de modo algum, generalizar a situação, mas chega-nos a informação de que a Fundação Bissaya Barreto é uma Instituição sociocultural portuguesa, criada em 1958, por Fernando Baeta Bissaia Barreto Rosa, com sede em Coimbra, na casa onde viveu.
Para o desenvolvimento das suas atividades educativas e de apoio social, a Fundação, em 2011, recebeu 4,3 milhões de euros de subvenções públicas.
A sua Presidente Patrícia Nascimento, estaria a auferir um salário mensal de 11.400 euros.
A 2 de Novembro de 2012 a Presidente da Fundação apresentou aos outros quatro administradores uma proposta de alteração dos estatutos onde propunha que o seu cargo – que tem passado de mão em mão pela mesma família, nos últimos 40 anos – fosse vitalício e que a atual presidente designasse, ela própria, o seu sucessor.
E como sempre acontece (quem não é por mim, é contra mim) os administradores, que se manifestaram contra, foram exonerados das suas funções.
Em Junho de 2013, o Tribunal de Coimbra condenou a Fundação Bissaya Barreto a pagar cerca de 170 mil euros, (mais uma vez o povo pagou a fatura) a Amado da Luz, advogado e gestor da instituição desde 2007, que fora exonerado, por não concordar com a proposta de alteração dos estatutos.
A Presidente da Fundação, foi obrigada a reconhecer que, afinal, a exoneração daquele gestor tinha sido ilegal, ou seja, não teve justa causa.
Esta Fundação continuou a receber mais uns milhões pagos por todos nós.
São estes e muitos outros episódios idênticos que nos levam a concluir que, com estas políticas sociais, o nosso país não vai, nunca, alcançar uma verdadeira prática de solidariedade social a favor dos mais humildes, dos mais necessitados, dos idosos dos nossos bairros.
Os dinheiros públicos, afinal, não são devidamente aplicados, ou antes, não são aplicados no exercício de uma verdadeira política de apoio social.
E quando continuamos a ouvir que “são os seus dirigentes quem aufere o maior bolo desses apoios”, mais nos leva, de facto, a concluir que não existe, nestes casos, política social, mas sim, interesses pessoais.
É por estas e por outras que cada vez há mais desmotivação, desinteresse e falta de vontade daqueles que, de forma graciosa, ocupam o seu precioso tempo a lutar por tão nobres causas como é o caso das instituições de solidariedade social, de forma a manterem vivas as tradições de bem fazer em prol do cidadão idoso.
É por estas e por outras que já nada nos espanta quando nos chegam notícias de que os lares de idosos se têm multiplicado, como cogumelos, um pouco por todo o país.
Com a crise, o cenário tornou-se ainda mais complexo: lares de instituições particulares de solidariedade social, que, além das camas que são subsidiadas pela Segurança Social, têm ainda quartos para alugar a preços de mercado, que concorrem, atualmente, com os chamados lares lucrativos e com estabelecimentos clandestinos – que, garante quem está no terreno, estão a proliferar de uma forma nunca antes vista.
Aparentemente, os dados oficiais do Instituto da Segurança Social (ISS) não parecem apontar para um agravamento da situação.
Em 2013, até 13 de Dezembro, as 586 ações de fiscalização efetuadas conduziram ao encerramento de 79 lares, sensivelmente o mesmo número do ano anterior (84).
Mas há um número que indicia que as condições poderão estar a piorar: deste total, 22 foram fechados, com carácter de urgência, mais do dobro do que tinha acontecido no ano de 2012 (10).
O encerramento urgente é determinado em “situação de perigo iminente para os direitos ou qualidade de vida dos utentes”, explica o ISS, que no ano anterior fez muito mais inspeções (813).
Parece-me, por isso, não haver dúvidas que a situação se está a agravar, tanto mais que ecoam críticas oriundas de IPSS devidamente organizadas, junto da Segurança Social, face à proliferação de instituições clandestinas, onde se calcula que vivam, atualmente, mais de 20 mil idosos.
Há ainda quem refira que, sendo estas instituições obrigadas a fechar, abrem pouco tempo depois, com outra denominação, com caras diferentes na gestão das mesmas, de modo a iludir as instâncias fiscalizadoras (será que iludem? Será que não sabem disso? Será que assobiam para o lado?).
É por isso que os nossos “meninos de ontem” continuam, na generalidade, a serem tratados abaixo do mínimo exigível, sem qualidade de vida, com alimentação deficitária, com falta dos mínimos cuidados médicos e de enfermagem, etc..
Há ainda um novo cenário criado pela atual crise. Nos lares de idosos, principalmente os das misericórdias, há filhos que estão a retirar os pais para os levarem para casa. Outros deixam de pagar a parte que lhes cabe na mensalidade e não voltam a aparecer.
Nos lares privados, há familiares que transferem os idosos para instituições do sector social do Estado ou para lares clandestinos.
Este é o mundo social e solidário em que vivemos. Fica provado que os interesses financeiros se sobrepõem ao espírito de militância em favor dos mais necessitados.
É prioritário acabar com estes privilégios. Qualquer dia e a manter-se esta disparidade de critérios de seleção e de admissão dos utentes (idosos), não tardará muito que comecemos a ver idosos abandonados (já estamos atualmente a ver este cenário miserabilista de completo abandono e, até, desprezo), nas suas casas, nos hospitais, nas ruas, etc., sem que nada seja feito para alterar este cenário.
O número de utentes é cada vez maior e as ofertas não correspondem á carteira da maioria deles.
Onde está, afinal, o Estado Social? Em que país vivemos nós, inseridos numa Europa desenvolvida, que mais parece num terceiro mundo, sem os mínimos princípios e regras sociais atuais?
Vamos continuar a lutar pelos nossos “meninos de ontem” enquanto tivermos forças e animo.