“2 800 Professores por substituir? Isso é impossível”
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No início de mais um ano letivo, e já com algumas ações de protesto realizadas, nomeadamente na Covilhã e na Guarda, o Jornal Fórum esteve à conversa com Dulce Pinheiro, coordenadora da Direção Distrital de Castelo Branco do Sindicato dos Professores da Região Centro (SPRC).
Uma conversa debruçada sobre os problemas atuais da profissão de docente, sobre algumas soluções propostas pelo Sindicato.
“As pessoas não se podem desdobrar”
Relativamente à quantidade de professores, a coordenadora afirmou que “é um dado com o qual já estamos em nível de alarme”.
“Anualmente temos alertado o Ministério para a necessidade de urgentemente serem tomadas medidas para combater e ultrapassar esse problema”, disse Dulce Pinheiro, acrescentando ainda que “o Ministério tem tomado medidas, mas não têm resolvido e isso tem tendência a agravar”.
De modo a compreender este tema, Dulce Pinheiro ajuda-nos.
“Vão se aposentar 340 professores até outubro e até ao final deste ano civil serão mais de 3 500. Aqueles que são os potenciais professores entraram na Universidade e Escolas em 2018, ou seja, há cinco anos, e nessa altura entraram cerca de 700 alunos. Se todos terminarem a formação neste ano, são esses os que vão constituir a bolsa para substituir todos os aposentados”.
Contas feitas, são ainda 2 800 professores por substituir: “Isso é impossível. As pessoas não se podem desdobrar”.
Como solução do Ministério, a coordenadora confessa que “vai recorrer, como tem estado a fazer, aos professores sem formação na área pedagógica”, ou seja, “têm de ter pelo menos uma licenciatura, mas que não têm a formação completa”.
“Isso pode significar perda de qualidade na escola pública. Isso é uma preocupação central neste momento”, reafirma Dulce Pinheiro.
“Cerca 24% estão claramente em burnout”
Ainda como problemas, Dulce Pinheiro apontou para a complexificação dos processos de trabalho, pois “a escola está cada vez mais complexa para os docentes”.
Ainda para a “enorme” burocratização que os professores têm de enfrentar diariamente. “São papéis e atas sem fim, que não têm de ser feitas pelos professores, mas que lhe são acometidas”.
Falou ainda da falta de comissões, “nomeadamente do horário de trabalho”, já que, segundo a coordenadora, “em regra, um professor trabalha mais de 40 horas por semana”. “Deveria trabalhar as 35 que é o que compete à Administração Pública”, comentou.
Também as infraestruturas foram visadas. “Qualquer professor que se lhe fale da rede de computadores da escola, leva logo as mãos à cabeça”. “Há sempre um défice imenso deste tipo de equipamentos, por exemplo”.
Ainda a precariedade laboral, pois “o Ministério abriu um número de vagas ímpar, mas aqui há outro problema. nem todas foram preenchidas porque estes problemas não estão resolvidos e porque os diplomas dos concursos têm fatores que vão de facto desestabilizar ainda mais a vida dos professores”. “Muitos decidiram não concorrer por isso”, complementou.
Está também provado que “cerca 24% estão claramente em burnout” devido ao elevado desgaste psicológico e também pela perda salarial de “cerca de 20%”.
“Os professores do continente são professores de terceira?”
Dulce Pinheiro revela ainda alguma “teimosia” do Governo pela contagem do tempo de serviço: “Os professores não estão a pedir retroativos, mesmo que tenham direito, o que não podem deixar de pedir é a contabilização do tempo total prestado”.
“Na Madeira e nos Açores vão ter o tempo todo contado, por que motivo é que os professores do continente são professores de terceira qualidade e não têm as mesmas responsabilidades e os mesmos direitos?”.
Realçou ainda mais aspetos. “A aposentação, o preenchimento de cotas que bloqueia m a progressão da carreira e a contagem do tempo de serviço”, complementou, atirando ainda que “é uma multiplicidade de problemas com que os professores voltam a deparar-se”.
“Se estivessem bem tratados”
Dulce Pinheiro revelou ainda algumas das propostas do Sindicato.
“Como medida urgente, o Ministério poderia dar condições aos milhares que têm formação completa na docência, mas que enveredaram por outra profissão”, de modo a tentar “atrair novamente essas pessoas para a escola”.
Como ponto mais irónico, “claro, cuidar de quem cá está”: “Se estivessem bem tratados, certamente que iriam dar bom feedback para os mais novos”.
“Mil alunos não teriam pelo menos uma aula”
Falou ainda do protesto levado a cabo no último dia 11 de setembro, em frente à Escola Secundária Frei Heitor Pinto. Nesta ação de protesto simbólica onde colocaram um pendão com mensagens de luta pela escola pública e pela valorização da profissão.
“É um problema principal que agora a temos para resolver”, reafirmou a coordenadora, mas não deixou os números de lado.
“Eu tenho os dados da colocação da semana de 4 a 8 de setembro. Demonstram que, por exemplo, no distrito de Castelo Branco, que tem dimensões diminutas, em termos de variedade, no número de escolhas e de alunos, se já houvesse aulas, nesta semana de 4 a 8, seriam afetados cerca de mil alunos” atirou.
Em relação ao número de alunos, que “não teriam pelo menos uma aula”, “é de facto uma coisa muito significativa num distrito tão pequeno como o nosso, em termos de populações escolares”.