Há um anátema crescente que tem sido lançado sobre as obras públicas, o famoso betão! O ardil tem sido projetado pelos que criam uma visão artificial das pessoas contra o betão. Todos são pelas pessoas e geralmente contra o betão.
Esta falácia tem feito o seu caminho e o seu inebriante perfume é bastante popular. Mas, como em todos os populismos suportados em malabarismos de linguagem, é importante parar para pensar melhor sobre o assunto. Em abono da verdade podemos começar com um axioma simples e concreto, o betão apenas existe porque existem pessoas. Ou seja, o betão é uma consequência das pessoas e não existe por si próprio. Basta esta observação para concluir imediatamente da enfermidade de pensamento dos que forçam a oposição entre pessoas e betão.
O homem, na sua inexorável busca por melhor qualidade de vida, tem sempre evoluído no seu conforto com o apoio de construções, sejam elas focadas na mobilidade, no abrigo, ou noutras vertentes da vida humana. E, neste sentido, a obra pública é uma dádiva da comunidade que, quotizando-se através dos impostos, pretende beneficiara sociedade. Torna-se assim claro que ao diabolizar as obras públicas estamos, de facto, a deixar de investir nas pessoas. Recordamos aqui de novo que as obras não existem sem as pessoas, pois elas são efetivamente para as pessoas.
Em tudo tem de haver uma proporção áurea, uma “sectio divina” como a arte nos ensina, que permita dividir de forma adequada o todo. O investimento direto nas pessoas, na sua formação, na saúde, na área social, não pode implicar o fim do investimento em betão pois, este último, é essencial para suportar os anteriores. Não pode haver formação de qualidade se não houver escolas confortáveis para os estudantes e, neste particular, convinha que as inspeções de educação se focassem em verificar o estado de “saúde” de balneários e WC, em lugar de se sentarem confortavelmente a picar papéis. Noutra vertente, não pode haver saúde de qualidade se os hospitais e centros de saúde não são atualizados estruturalmente e reforçados em equipamentos. E, como podemos falar em preocupações sociais se os equipamentos que lhe estão adstritos não são modernizados. A preocupação com as pessoas está indelevelmente ligada ao betão e à obra pública. Temos os melhores professores, médicos e funcionários do sector social do mundo, mas sem equipamentos condignos resta-lhes fazer milagres. Sim, desses que todos os dias presenciamos.
A referência à preocupação com as pessoas em detrimento do betão é certamente simpática, mas serve apenas para esconder o desinvestimento nessas mesmas pessoas, por via do corte nas obras que as servem.
O interior do país é um palco privilegiado para os truques de prestigiação que opõem as pessoas ao betão. Quando, em boa verdade, e dada a situação de baixa densidade que aflige estas zonas do país, elas deveriam ser palcos privilegiados para investimento nas pessoas. E, como corolário, para investimento em betão ao serviço das pessoas.
É essencial que haja, a par do crescimento em construções urbanas privadas, um reforço das obras públicas de suporte à comunidade. A panaceia das cidades inteligentes, e quem é que não quer que a sua cidade seja “esperta”? Esta panaceia não nos pode fazer esquecer da necessidade de continuar a investir no betão, e nas construções que dão suporte à vida humana condigna. Hoje sabemos que o digital e o material são complementares, não se pode anular um para favorecer o outro. É urgente um novo programa Pólis, como o que ocorreu há mais de 20 anos, um sonho do atual Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, e que na altura transformou ambientalmente, e transportou para o séc. XXI, a rede de cidades de média dimensão do país. O próximo quadro comunitário de apoio, que agora começa, é a ferramenta adequada para renovar o sonho.