Sérgio Santos: “Lanifícios é um setor que produz milhões e paga tostões”
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Qual o papel dos sindicatos, neste momento, no tecido empresarial e no apoio aos trabalhadores?
O papel dos sindicatos é sempre um papel muito importante. Ou seja, todos os dias há atropelos, porque não se pense que nas empresas é tudo um mar de rosas. Há empresas que que passam meses e anos sem um único problema entre trabalhadores, mas há aquelas empresas em que todos os dias há um atropelo, seja em qualquer setor. Não estamos aqui a dizer que é um setor específico, mas em todos os setores há atropelos. Este é o papel fundamental dos sindicatos. É estar lá para os trabalhadores sempre que eles necessitarem. Hoje, mais que nunca, os atropelos são maiores, aliás, porque pelas também pelas leis que o governo vai fazendo e que e que e que vai penalizando os trabalhadores e outras, porque às vezes o patronato acha que consegue fazer leis onde elas não existem. E também é para isso que nós servimos, é para lá estar, apoiar em tudo o que nós conseguirmos e que podemos fazer.
As condições de trabalho de quem está na indústria têxtil. Como são, o que há a melhorar e o que há a limar?
Este é o meu setor. Sou trabalhador da indústria têxtil, sou trabalhador dos lanifícios. Há tudo a melhorar. A começar pelas condições de trabalho. Há empresas que já estão mais mecanizadas, mais industrializadas e outras que estão menos, mas isso também variado tipo de trabalho, dos clientes e da faturação. Isso é daquelas coisas que nos fogem. Ainda é uma, é uma indústria ainda muito importante, embora já haja poucos empresários a abrirem indústrias de lanifícios e no setor têxtil aqui na nossa região. Agora, se passarmos aos lanifícios? Tivemos agora recentemente uma luta, por exemplo, nos lanifícios por causa do subsídio de alimentação. Antes da contratação coletiva que agora foi fechada, o setor dos lanifícios pagava no máximo 2,37 euros de subsídio de alimentação. Isto cria às pessoas uma certa revolta. Se quando o Governo, no setor Público já vai nos 8 euros, no privado aumentaram os irrisórios 15 cêntimos. Quem é que hoje, com o aumento do custo de vida se põe a pensar que pouco mais de dois euros dão para algo? A nossa exigência é os 4,5 e, mesmo assim, se começarmos a ver, já ninguém vai comer nem o McDonald's por 4,50 euros. E quando o Patrão pensa que que está a dar alguma coisa, não está a dar nada. É um setor que produz milhões e paga tostões, é o nosso lema, por isso ninguém para neste setor.
Há falta de mão-de-obra no setor dos lanifícios, é verdade?
Não há falta de mão-de-obra, há falta é de pessoas a quererem ganhar pouco. Ora, trabalho nos lanifícios e ganho neste momento 760 euros, que é ordenado mínimo nacional. Se ali ao lado, tenho uma empresa que paga um pouco mais e que está a precisar de trabalho, para onde é que eu vou? Para a empresa que está ali ao lado. Eu até posso gostar muito daquilo que faço, mas também temos de nos sentir valorizados. Portanto não há falta de mão-de-obra, se eles pagarem mais. Tenho a certeza que as pessoas aparecem para trabalhar, por exemplo. Nos dias que correm é isso que as pessoas querem, ganhar um pouco mais, para terem melhor qualidade de vida. Também dizemos que as carreiras têm de ser valorizadas. Se, por exemplo, se for agora alguém novo para a empresa onde eu estou, vai ganhar exatamente o mesmo que eu estou a ganhar e já trabalho há quase 30 anos.
As empresas também dizem que têm de recorrer à mão de obra estrangeira, é verdade?
Eles chamam-lhe de mão-de-obra Internacional. Eu chamo-lhe mão-de-obra barata. Não estou contra eles virem, muito pelo contrário, aliás, nós valorizamos a vinda de toda a gente. Nós somos um país imigrante. Vêm em busca de melhores condições de vida. Agora não deixa de ser mão-de-obra barata. Estão habituados a receber muito menos, trabalham muitas horas, porque nesses países trabalham se não se trabalham oito horas por dia e descansam 2, como nós aqui temos. Aqui nesses países trabalha, se calhar 11 e 12 horas por dia e se calhar trabalham os dias todos. E não me venham dizer que eles querem ganhar dinheiro. É porque já tivemos alguns atropelos logo ao princípio, por exemplo, com os subsídios de Natal, que eles nem sabiam sequer tinham direito-Portanto, esta questão de temos de ir buscar lá fora porque cá dentro não há é mentira.
Nós, que vivemos cá, queremos ter melhores condições de vida. Eles vêm de lá, já têm melhores condições de vida chegando aqui, se arranjarem trabalho e ganharem o salário mínimo nacional. Ora, para nós, melhores condições de vida é ganhar mais do que aquilo que estamos a ganhar para termos uma vida digna. É chegar ao fim do mês e ter dinheiro para pagar contas, para ir ao supermercado, para comprar comida. Se quiser ir ver um concerto, se quiser ir ao teatro, isso é que é ter qualidade de vida. Não é só sair de manhã para trabalhar, chegar a casa, jantar e ir para a cama. Isto é ser um escravo.
Há margem de negociação com o patronato?
Nós fazemos o que conseguimos, para tentarmos chegar aos melhores interesses dos trabalhadores, que é para isso que servimos. Nós servimos os trabalhadores, mas agora não temos margem de negociação. Não há hipótese. As negociações costumam ser como uma balança. 50/50 e varia a partir daí. Se eu tiver bons argumentos, sobra pouco para quem negoceia comigo e vice-versa. Nós nunca fomos contra o que eles dizem.
O que falta para todos os trabalhadores rumarem para o mesmo lado?
Acho que há um problema no nosso país. É o que eu lhe chamo de “umbiguismo”, que é as pessoas só olharem para o seu umbigo. Temos trabalhadores que são muito reivindicativos e dizem vamos embora para a luta, mas também temos aqueles trabalhadores que dizem “Para quê? Porque é que me vou chatear? Eles que resolvam”.
É isto que falta para os trabalhadores serem unidos. Deixarem de olhar só para o seu próprio umbigo. Deixarem e perceberem de uma vez por todas que nós estamos cá para os ajudar.
Pode caraterizar o tecido empregador do nosso distrito?
É uma pergunta muito difícil porque é como tudo. Há o bom e o mau, mas sem dúvida nenhuma temos um tecido empresarial muito bom. Que tem respeito aos trabalhadores e que, claro que atropelos há sempre, mas pronto, no geral há empresas muito boas. Mas depois também há aquelas empresas que são más, que há atropelos todos os dias. Agora temos o problema da interioridade, que afeta todo o tecido empresarial.
Cabe ao Governo saber aquilo que diz, porque em tempo de eleições, veio para aqui gerar faz juras de amor ao interior, mas quando chega à prática, o amor desvanece,
Acha que há dois países dentro de um?
Sempre houve. Se houver uma regionalização be- feita, assim passa a haver um país com cabeça, tronco e membros. Numa das reuniões em que fui, da minha Federação, houve alguém que disse lá num sindicato do Minho, que não havia costureiras. Onde é que andavam? Já se fazia aquilo na Covilhã desde a década de 60 e até mesmo antes. Mas se ali ao lado há empresas a pagar mais e as pessoas não estão contentes com o que recebem, vou para outro lado. Quando falamos de interioridade, é isto. Ganhamos mal e vivemos mal. Os apoios são para uns e não para outros.