Diretor: Vitor Aleixo
Ano: XI
Nº: 582

“Grande maioria não tem consciência da pobreza que existe” Voltar

JF: Qual o papel do Banco Alimentar na nossa região?

Eu diria que é um papel que parece pequeno, mas que ao mesmo tempo é assustador pela dimensão que tem. Ao dia de hoje, posso dizer que ajudamos cerca de 4 500 pessoas, mas nunca conseguimos dizer o número exato porque isto está sempre a variar.

Quando nós olhamos para estes 21 anos de apoios e de trabalho, estaremos a falar de qualquer coisa como 4 mil toneladas de alimentos distribuídos. Apesar de sabermos que muita gente na sociedade precisar de uma mão amiga e não conseguimos dá-la, seja por falta de recursos, seja porque não conseguimos chegar a elas. Mas o que pretendemos é ser uma entidade que está para ajudar quem necessita

 

JF: Há apoios das autarquias, por exemplo?

Não de todas, mas a maioria das autarquias disponibilizam-nos carros e condutores para nos ajudar no transporte dos alimentos. A Covilhã, o Fundão, o Sabugal, Celorico da Beira são só exemplos disso. Mesmo assim a maioria das autarquias sabe o trabalho que o Banco Alimentar faz a favor do seu concelho.

Para nós a regra é termos instituições onde recebemos alimentos. Se recolhemos então temos de distribuir e as autarquias muito facilmente percebem esse nosso trabalho. Temos aqui 14 autarquias e temos de saber dialogar com elas. Cada uma tem os seus processos e as suas formas de trabalhar.

 

JF: Para além das campanhas, como têm sido os donativos das empresas?

Temos empresas que são muito generosas, mas infelizmente ainda são poucas. Aqui por falta nossa, porque nos falta organizar os pedidos de ajuda fora das campanhas. No entanto, na nossa área também temos empresários generosos, mas também a dispersão do território é o principal fator que não nos ajuda. A fator voluntários também não nos ajuda, porque essas pessoas durante o dia está a trabalhar. Quando as empresas estão abertas, nós não podemos falar com elas, quando fecham é quando temos mais disponibilidade para falar com elas.

Fora das campanhas, os empresários perguntam como podem doar. Perguntam o que necessitamos, quando é que necessitamos e como podemos combinar isso. Temos também donativos que por vezes não sabemos de onde veem, já que temos o nosso IBAN na internet.

Temos ainda doadores particulares que todos meses depositam uma certa quantia para nos ajudar.

 

JF: A campanha “Papel por Alimentos” tem sido fundamental?

Sim, realmente tem sido uma grande ajuda. Temos alguns protocolos com algumas empresas. Gostamos que esse tipo de campanhas sirva toda a nossa região e esta campanha é só um bom exemplo de como se cumpre o princípio do Banco Alimentar. Até porque as pessoas pensam que o nosso princípio é combater a fome, mas na realidade é combater o desperdício. Ao colocarmos o papel na reciclagem também estamos a combater o desperdício.

 

JF: As instalações, em que ponto estamos?

Vou dar más noticias, não acredito que em breve tenhamos novidades. A Covilhã, que é onde temos a nossa sede, tem uma característica um bocado ingrata. Temos vários prédios devolutos, que dariam um bom armazém para o Banco Alimentar, só que estão todos a precisar de obras. Só para dar um exemplo, tínhamos um edifício em vista, mas estava a precisar de obras no telhado e estávamos a falar de uma reparação em torno dos 250 mil euros. Com este dinheiro fazia-se um armazém novo.

É um pouco disto que temos vivido. Ou temos espaços que são grandes demais e que dariam um bom armazém, ou então vivemos naqueles dois pequenos. É por isto que ainda agora na campanha chegámos a equacionar se nos caberia tudo nos dois armazéns.

Os armazéns que temos são da autarquia, e nós agradecemos infinitamente, mas não queremos ir pedir apoios para que nos ajudem também na aquisição de um novo armazém.

 

JF: Mas também já tiveram propostas para a sede mudar para outra localidade

Dá jeito estar na Covilhã, porque a equipa que está montada, está montada aqui, mas se aparecer uma nova equipa que nos garanta que há um espaço noutro lado e que vai funcionar de igual forma como aqui, estamos abertos a sugestões.

Somos uma instituição da região, não da Covilhã. Se uma pessoa tiver fome, tem fome tanto aqui como em Trancoso, ou no Sabugal. Nós preocupamo-nos com todas as pessoas.

Agora estamos bem de voluntários, mas já tivemos alturas que não. Se tivermos mais uma equipa de cerca de 20 pessoas que nos diga que estão dispostos a qualquer hora, vamos repensar também no assunto.

 

JF: As reestruturações da pandemia, ainda têm reflexo nos dias de hoje?

Em termos da pandemia, estamos regularizados, mas o que nos preocupa agora é a inflação. Por exemplo, nós agora na campanha recolhemos cerca de 29 toneladas, se formos ver o dinheiro que foi investido, comparativamente com os preços de há dois anos, provavelmente poderíamos estar a falar de cerca de 40 toneladas de alimentos. As pessoas foram generosas, mas acabaram por ser um bocadinho menos. Essa é a verdadeira crise.

 

JF: Acha eu por vezes as instituições são substitutas do Estado?

Eu costumo dizer que o objetivo do Banco Alimentar é deixar de existir, até deixar de ser necessário. Na sociedade onde vivemos, poderíamos ter os pobres assegurados por todos, em relação ao rendimento médio. Claro que há vários fatores, mas para o nosso rendimento médio e para o dinheiro que circula na sociedade, poderiam estar assegurados. Nós temos é um problema de distribuição da riqueza.

Eu acho que deveria haver exigência, até porque há quem não queira trabalhar ou tem onde trabalhar e principalmente nestes casos, é onde a sociedade devia ser dura. Agora uma pessoa que tenha problemas de saúde, ou uma criança, ou um idoso, não percebo como não lhe conseguem garantir o mínimo da sobrevivência. Nesse dia, eu próprio digo que o Banco Alimentar não está cá a fazer nada.

Acho que é um Estado extremamente burocrático. Metem sempre o papel à frente do problema. Temos tido algum contacto com alguns empresários estrangeiros e todos eles dizem o mesmo, queixam-se da nossa burocracia. Alguns até se deixam de estabelecer cá por isso.

Por vezes esquecem-se que as pessoas têm a vida condicionada e por vezes também não podem comer.

 

JF: A nossa sociedade está alerta para esta realidade?

Muitas pessoas estão conscientes que a pobreza existe, mas não estão cientes que a pobreza estão ao lado delas. Lembro-me na altura da crise de 2008 que muitas pessoas diziam que o Banco Alimentar não devia existir, mas também muita gente não tinha o que comer.

A grande maioria não tem consciência do que existe. Se houvesse essa conscientização, as pessoas eram mais generosas.

- 30 mai, 2023