Diretor: Vitor Aleixo
Ano: XI
Nº: 587

“As dificuldades que encontramos no Interior, não são as mesmas que encontramos nos centros urbanos” Voltar

O que mais gosta na sua área?

O que mais gosto é a abrangência da especialidade. Contactamos com uma multiplicidade de situações, de patologias. Mas também a verticalidade dos cuidados, porque um médico de família acaba por acompanhar todas as fases do doente. Por vezes, desde o nascimento até à morte. Nós acompanhamos todas as etapas da vida dos nossos utentes. Somos o principal elo deles com o SNS e com as outras especialidades. Gosto de me encarar com um gestor da saúde dos meus doentes. Atuamos fundamentalmente ao nível da prevenção

 

Como concilia a vida profissional com a vida pessoal?

É realmente um desafio que eu e os meus colegas temos dificuldade em fazer a gestão das obrigações pessoais com as profissionais. Eu tento não abdicar das cosias que me são essências enquanto pessoa, como a prática de exercício físico e socializar. Isso é fundamental para manter as minhas capacidades enquanto trabalhador. Tento sempre reservar algumas horas do dia em que não trabalho nem discuto assuntos de trabalho. É aí que me dedico a atividade que me realizam, à família e às responsabilidades familiares que tenho. Faço isso como prevenção do Burnout e porque a nossa profissão acaba por ser muito desgastante no sentido de não serem só as horas de trabalho efetivo, mas por vezes as preocupações e as dúvidas que temos. Eu não fecho o gabinete às 20h e acabo o meu trabalho. Às vezes não é assim. Fico preocupado com uma situação que vi, ou que vou ver. É isso que pode ser desgastante.

 

Que outros desafios tem esta profissão?

Os desafios são muitos. Atendendo às nossas atividades diárias, como a escassez de recursos humanos, de material, a sobrecarga de trabalho, não perdemos o foco no doente e na ambição para a qual estamos e para qual escolhemos esta profissão. Nem sempre é fácil. Viemos de uma pandemia que foi muito exigente para a esmagadora maioria dos profissionais de saúde, não só para os médicos. E ainda estamos a lidar com o trabalho que ficou atrasado dessa altura. Isso ainda se repercute no dia-a-dia dos médicos de família. Há também a sobreposição de tarefas. Muitas vezes há a ideia de que o médico de família se baseia na consulta assistencial, aos momentos em que estamos com os doentes. Não é só isso. Recebemos e-mails dos doentes e é preciso ver exames, responder aos e-mails, renovar receituário crónico, elaborar documentos e relatórios. Tudo isso é um trabalho invisível, para quem não conhece o sistema e que cada vez mais sobrecarrega as nossas agendas. Este é um grande desafio mesmo, é olhar para este trabalho burocrático como uma parte importante do nosso dia.

Não posso achar que em oito horas o meu trabalho fica feito. É preciso termos atenção a essa gestão. As dificuldades que encontramos no interior, não são as mesmas que encontramos nos centros urbanos. Aqui temos de lidar com a escassez de recursos. Aqui à volta há zonas realmente carenciadas e não é fácil tornar atrativo para profissionais que não seja de cá escolherem esta região. Não sou de cá, mas gosto de cá trabalhar, mas reconheço que às vezes não é fácil fixar cá profissionais. Muitas das vezes, é necessário esticar os recursos que temos. É essa pluralidade que traz o desafio da profissão, mas também é a que traz o encanto disto.

 

Falou da pandemia. Como é que afetou a prática da profissão?

Eu separava os desafios em dois grupos. O operacional, porque obrigou a uma reorganização dos serviços num tempo relativamente curto. Foi a criação de equipas dedicadas para o efeito, a separação dos circuitos do utente. O outro desafio foi lidarmos com uma patologia com o qual pouco conhecíamos e que iria afetar uma grande percentagem da população. Houve receio, houve muitas dúvidas, mas também houve superação. Nós também tínhamos as nossas dúvidas, também temos família. Principalmente no início foi uma altura desgastante. Para além disso, ficou ainda muita coisa por fazer. Tudo aquilo que era para ser feito naquela altura e que teve de ser priorizado para o combate da pandemia. O trabalho não desaparece.

 

Se pudesse mudar alguma coisa na sua profissão, o que mudava?

Enquanto missão, não mudava nada. Na parte organizacional aí podia fazer algumas melhorias. Talvez exigisse mais em campanhas de educação para a saúde, de promoção de hábitos de vida saudáveis. Na medida de isso ser uma prioridade dos serviços porque frequentemente lidamos com casos que se os comportamentos tivessem sido diferentes o serviço não estaria tão sobrecarregado. O tempo para esse tipo de atividade devia ser ampliado digamos assim. Atuarmos ao nível das escolas e de campanhas de sensibilização. Não digo que não as há, mas enquanto médico de família não tenho muito tempo para sair do posto médico. Tenho outras coisas para fazer, mas é o tempo que tenho. Gostava de poder sair. No consultório dirijo-me a um doente de cada vez, enquanto ir a uma associação ou a uma escola posso falar com um público mais amplo.

 

Quais são os desafios do futuro da saúde aqui na Covilhã?

Eu penso que o maior desafio aqui, assim como fora dos centros urbanos, será manter a atratibilidade para os profissionais. Obviamente que o SNS é o pilar da prestação de serviços à comunidade em Portugal. No meu entender o desafio é comum, quer em contexto público, quer no privado. Não é tão simples manter profissionais como noutras geografias. Aqui na Covilhã temos um centro hospital universitário, temos vários centros de saúde, temos também alguns privados com alguma dimensão. Aqui a questão da população é um tema importante para ter serviços dotados em número suficiente, para ser atrativo para os profissionais virem para cá. Acredito que quem venha experimentar, gosta e fica, o problema está em captar essa primeira experiência.

- 13 abr, 2023