Diretor: Vitor Aleixo
Ano: XI
Nº: 587

O tempo da coesão social e da solidariedade Voltar

Os tempos difíceis que temos vindo atravessar exigem mais de cada um de nós e também mais da comunidade como um todo. As dificuldades estruturais cruzam-se com outras dificuldades conjunturais e circunstanciais. Na verdade, o quadro complexo em que nos movimentamos tem encostado às cordas muitas famílias, empresas e instituições que se vêem confrontadas com o aumento dos custos de vida, de produção e de funcionamento. As causas do empobrecimento das famílias e das dificuldades das empresas e das instituições estão mais do que identificadas e são sobejamente conhecidas por todos. Os dados cruzados do desempenho económico e do quadro identificado das necessidades reais das pessoas para enfrentarem as dificuldades crescentes do dia-a-dia aceleraram as recentes decisões do governo em matéria de apoios directos às famílias e ao ecossistema em que vivemos, nomeadamente através de estímulos à estabilização de mercados e descida de preços e outros. No fundo, o governo está a fazer o que lhe compete, distribuindo o que pode distribuir, procurando ajudar os cidadãos a enfrentarem a crise gravíssima que atravessamos, mantendo, ainda assim, uma folga orçamental que corresponde a uma avisada margem de segurança que nos defende a todos de uma eventual turbulência de maior dimensão. As políticas dos governos, sejam eles de esquerda ou de direita, estão como devem estar em democracia, sob escrutínio. Nunca agradam a todos. E todas as decisões são, naturalmente, discutíveis. Na minha opinião, o recente desenho de medidas do governo de apoio à vulnerabilidade individual e colectiva está correcto. Agora é preciso que os apoios anunciados cheguem rapidamente às pessoas na medida em que o tempo corre depressa e a emergência é de grande lastro e dimensão. É preciso equilibrar e suster as dificuldades. É preciso acudir a quem precisa e à urgência do momento. A discussão política continuará nos corredores dos palácios onde os políticos se encontram nos seus debates mais ou menos ideológicos e quase sempre fora da realidade dos que diariamente têm que fazer escolhas sobre o que podem pagar também em função das necessidades urgentes de cada um. Às vezes é preciso decidir entre a mercearia e a farmácia, entre isto e aquilo porque a manta é curta e não consegue agasalhar o que deve agasalhar. No momento em que no excelso patamar da política se discutem os apoios e o tempo deles há uma realidade no nosso país que ainda nos diz que mais de dois milhões de portugueses continuam a viver no limiar da pobreza. E é justamente este indicador da dura realidade que nos deve envergonhar a todos enquanto comunidade, mesmo tendo presente as desestabilizadoras causas externas que também contribuem para este quadro negro. De resto, a recente medida de apoio social do governo indica-nos que abrangerá três milhões de pessoas e 1,7 milhões de famílias. O valor do apoio é baixo face às dificuldades que são muitas. Mas é o apoio possível face a todas as circunstâncias. É também oportuno. Não resolverá nada de estrutural mas ajudará, com toda a certeza, a atravessar este momento tão difícil quanto complexo. Por isso, entendo que a tónica da discussão política devia estar mais focada na resolução da questão estrutural e não na minudência politiqueira da espuma dos dias. Precisamos de estratégias que diminuam esta bolha da vulnerabilidade para que as pessoas possam viver melhor e com um futuro muito acima deste limiar em que se encontram. Precisamos de estratégias comuns e pactos de regime que assumam um país mais próspero com pessoas dentro que querem e merecem ser felizes. Onde o estado não chega, sobretudo quando a manta do apoio social é curta, são as instituições de solidariedade social que assumem a resolução de muitos problemas actuando de forma mais rápida e directa na emergência dos dias. Mas estas instituições também estão encostadas às cordas, apesar da revisão para cima dos apoios do governo, justamente por reconhecer a sua importância e eficácia na promoção da coesão e da solidariedade social. Estas instituições que apoiam quem precisa também têm empréstimos nos bancos, pagam salários, têm custos de manutenção e de funcionamento, precisando, entre muitos outros compromissos, de ter as contas em dia com os seus fornecedores. Neste campo as dificuldades são imensas. Também aqui a manta é curta. É preciso outro olhar e sobretudo outra atitude para este cenário em que as instituições de solidariedade social vivem e sobrevivem na linha de água. Os tempos são difíceis para todos. Por isso precisamos de lideranças fortes e determinadas. Precisamos de gente com coração e visão que olhe para um futuro com mais luz e esperança. Percorrer este caminho exige resiliência, esforço e determinação. Mas é preciso percorrê-lo, acudindo à emergência do presente mas em trabalho persistente nas estratégias do futuro que nos façam alcançar outros patamares longe destes em que três milhões de pessoas se encontram em situação de vulnerabilidade. Este caminho duro não pode ser realizado por um ou dois, tem que ser realizado por muitos que, em coesão, acreditam que vale sempre a pena trabalhar para a comunidade para que todos, a título individual, possam viver a felicidade que merecem.

 

- 05 abr, 2023