Diretor: Vitor Aleixo
Ano: XI
Nº: 587

A construção do Bairro Social – Apontamentos Voltar

“Vae ser um facto a construção de dois bairros operários na Covilhã, para o estudo dos quaes já está entre nós o engenheiro, sr. João Jorge Coutinho, especialista deste género de construções. Acompanha o nosso ilustre amigo sr. José Maria de Campos Melo, devendo chegar hoje o outro membro da comissão, o arquitecto, sr. Adães Bermudes, acompanhado do nosso prezado amigo e correligionário, sr. João Alves da Silva. Sabemos que pelo ilustre Ministro do Trabalho, será apresentado em um próximo concelho de ministros o decreto autorizando a imediata construção desses bairros que na Covilhã tão necessários se tornam” – In Correspondência da Covilhã, edição do dia 20 de Abril de 1919.

A Covilhã, edificada em áspero contraforte da Estrela, perde-se num emaranhado de ruas estreitas, becos tortuosos, que se alcandoram pela encosta acima desde a estação dos comboios até ao hospital lá no alto, onde se acotovelam apertadamente os casebres, misturados com palacetes! A maioria dos casebres amontoam-se, acastelam-se, onde vivem em desoladora promiscuidade muitas almas humanas. Não tem aquele aspecto sadio e confortável, que era mester em uma população de trabalhadores, cuja obra notabiliza a nossa indústria têxtil.

O sr. Ministro do Trabalho ao ser-lhe exposta a angustiosa situação da indústria de lanifícios disse: - eu vou à Covilhã estudar com os senhores as medidas necessárias para debelar o mal! E veio! Trouxe com ele a construção de casas económicas e sete contos de réis.

O Grande Hotel Covilhanense, de Manuel Vaz Júnior, recebe gente graúda! Ainda se fala da fabulosa quantia gasta pelos da Câmara Municipal. Enquanto os operários definham e o pessoal da Câmara ficava à quinzena sem receber os seus vencimentos, os fundos municipais eram assim gastos em jantares que em licores, tabacos e champagne custavam 471$25!

Os senhores Deputados da Nação, Viriato Gomes da Fonseca e Maldonado de Freitas, vêm à cata dos desvios e das malfeitorias feitas aos dinheiros da República. Instalam-se na secretaria do senhor administrador do concelho. A labuta vai ser dura!

Fraca escolha a do local para a construção do Bairro n.º 2. Ao lado do cemitério de uma cidade? Batido de chapa pelos ventos de nordeste que ali sopram com violência? Atravessado por linhas de água e nascente várias, que obrigam à construção de obras de arte? Junte-se o litígio que ultimamente se levantou a respeito da compra do terreno e em que o proprietário pede o dobro da quantia que peritos técnicos e competentes alvitraram para o valor do trabalho e o inicio dos trabalhos sem plantas de terreno, sem projectos! Aquilo que nasce torto tarde ou nunca se endireita!  O facto de os operários estarem em chômage não justifica que os contratos para aquisição dos terrenos fossem feitos como nas feiras, sem olhar ao valor certo. O Estado já lá enterrou tantos contos de réis! E a Obra? Depois de mais de um ano de aturados e dispendiosos trabalhos não se construiu, ainda, um alicerce de uma casa!

A carta é publicada, fresquinha, cheia de novidades! Dirigida ao Fiscal João Dias da Silva, por um seu subordinado, o apontador escriturário José Ramalho. Um socialista que num jornal de que foi diretor, sempre advogou a necessidade de os trabalhadores produzirem o máximo do seu esforço para uma Obra que a eles, trabalhadores, tanto interessava. Logo que se apresentou ao trabalho, começou a ser informado de muitas irregularidades! Verte-as no seu escrito! A primeira: a questão da pólvora.

(continua)

- 16 mar, 2023