Diretor: Vitor Aleixo
Ano: XI
Nº: 587

Boneca Terapêutica - Costureirinha Voltar

Março, mês da Primavera, das flores e das mulheres. Março, o mês em que nasci. Sou a Costureirinha e uso vestidos largos para melhor dar abraços e linhas no cabelo, para que sirvam de modelo. Desperto todos os dias com o riso das minhas irmãs a entrarem pela casa. Trazem a bilha do leite e o pão quente.

Sento-me ao lado da minha mãe para costurar. As paredes enchem-se de doçura e o relógio esquece o tempo que teima em passar. São longas e deliciosas, as horas que passo a modelar, a costurar e a bordar. Os tecidos são escolhidos, preparados e selecionados com muito cuidado. Uns macios e suaves, outros mais duros e ásperos, como as memórias…a boneca com que brinquei, o gato que criei, os amigos que tive e os amores que inventei.

Transformo facilmente cada pedaço de tecido, num doce beijo ou num abraço apertado. Os pontos têm de ser perfeitos, simétricos e bem alinhados, como se de uma pintura famosa se tratasse. Para mim, a costura é uma terapia, uma utilidade, uma necessidade, e por isso mesmo, uma forma de amar.

Saio para trabalhar. Na rua oiço conversas sussurradas… “isto anda tudo trocado”, “já só temos duas estações do ano”, “é o efeito de estufa”, “são as alterações climáticas”. Alguém me pergunta se está tudo bem. É a Rosa. Respondo que sim. A Rosa acrescenta: “hoje o tempo está esquisito, parece que vai chover. Estranho tempo este, em que a Primavera está quase a chegar, mas trouxe com ela o frio e a solidão”.

E assim a vida segue, mostrando uma camada de cada vez, só aquela que podemos entender por agora.

E assim a vida segue, alinhava o tecido, chuleia e enfeita, corta e costura, num zig zag sem fim.

E nesta luta sem fim, peço a Primavera para mim!

- 16 mar, 2023