Diretor: Vitor Aleixo
Ano: XII
Nº: 626

O comboio de antigamente, aos solavancos Voltar

A linha da Beira Baixa, LBB, foi das últimas joias conseguidas pela região no ocaso do século XIX. Um parto conseguido após muitos ferros, mas cuja vida existencial não tem sido fácil e auspiciosa.

Questionado recentemente, em debate público, sobre o que terá representado a LBB para a região, só me ocorreu um pensamento, o abrir de uma porta para o quebrar do isolamento da região. Consequentemente, estava vencida a interioridade, assim se supôs.

Mas o comboio veio e durante décadas foi o principal elo de ligação às quartas partes do território, e até mesmo ao estrangeiro. Já estava aberta a porta para chegar a Madrid, depois para a França e mais além Europa para os mais ousados.

Poderíamos comparar este fenómeno ao surgimento do aeródromo da Covilhã ou à A23, no denominado plano das Scuts, dizia-se, para aproximar o interior do litoral. Assim foi com a LBB.

A misoginia tomou conta dos seus destinos. O aeródromo que desempenhou o seu papel e se supunha uma estrutura capaz de futuro e à mão de semear, faz-me lembrar o aeroporto Humberto Delgado, teve um malogrado destino, dói ver os escombros a as pistas a ser transformadas em urbanizações.

A A23, como via livre de ligação, logo foi submetida à mácula das portagens cerceando desse modo as intenções iniciais, e mais uma vez o interior da Beira Interior, o mesmo não diremos de outros, por exemplo o do planalto transmontano, livre desse ónus das portagens, foi fortemente castigado como se de uma inevitabilidade se tratasse. Paga e não....

Voltemos à Linha da Beira Baixa. A tal conseguida a muitos ferros mas que não tem tido vida fácil. Foi o terrível desinvestimento dos anos 60 do século XX, que iam ditando o seu canto de cisne. Folheando os semanários regionais, lá estão patentes as consequências desse fadário que inexplicavelmente se foram apoderando da mesma LBB, mormente os constantes atrasos e as  7 intermináveis horas para chegar a Lisboa, quando não 10, se fosse um comboio regional a parar em todas as estações e apeadeiros.

Porém, a linha sobreviveu a tudo isso e chegou amputada ao século XXI, no troço Covilhã Guarda, agora reaberto que nos poderia proporcionar a maravilha centenária de voltar a ver passar através da mesma o “velho” Sud Express, assim como ter a ousadia de ligar a Beira Interior e o país a Castela Leão, com Salamanca aqui tão perto.

Ou o inexplicável adiar de tirar partido de uma linha internacional, que a partir de Vilar Formoso / Fuentes de Oñoro nos liga à Europa e que poderia contribuir para a diminuição da pegada carbónica causada pelos milhares de veículos pesados que diariamente cruzam a mesma fronteira, como se o caminho de ferro não existisse, apesar da eletrificação que tarda em terminar do lado espanhol. Oh Sª Engrácia, como são poderosos os poderes ocultos do alcatrão.

O arcanjo Pedro Nuno Santos bem lutou com as armas de S. Miguel procurando derrubar os embustes e sair em defesa do caminho de ferro, apontando o dedo à camionagem, que diariamente vemos mais omnipresente e fortalecida, no sentido de se complementar com a ferrovia, quem se lembra dos serviços combinados, e procurar implementar uma nova filosofia de exploração, que tarda em surgir, não obstante as parcas intenções.

De novo outro espectro, o Plano Ferroviário Nacional que não trouxe nada de novo à região, para além de muitas dores de cabeça, restando à região e forças vivas, se as houver, seus defensores, de todos se unirem em torno desta nova espada da Dâmocles e auspiciar de novo pelas migalhas do poder para que se mexa no traçado da linha, se encare com frontalidade o mesmo ao longo do rio Tejo, sobretudo de Ródão a Belver, e desse modo procurar se diminua o tempo de percurso da Guarda a Lisboa, via Beira Baixa.

Lá nos vamos contentando com comboios de mercadorias a passar insistentemente pela linha e com os Intercidades a perder essa categoria no troço Guarda Covilhã, fenómeno híbrido que se prolonga somando mais algum tempo  de demora no mesmo percurso, quando seria exigível uma avaliação dessa medida, e respetivos benefícios, se é que existem, num traçado renovado que não foi pensado para esse tipo de comboios, passível de sérias consequências, os revisores que o digam, mas apenas UTES, as denominadas unidades triplas elétricas, as únicas à medida dos respetivos cais.

É assim na Linha da Beira Baixa, à espera de futuro, com os inevitáveis solavancos.

- 07 mar, 2023