Diretor: Vitor Aleixo
Ano: XI
Nº: 587

«Ainda te queres casar comigo?» Voltar

Os efeitos da terrível solidão dos meninos de ontem

Solidão: a "doença invisível" que afeta cada vez mais idosos

"Ainda te queres casar comigo?

Existe um senhor que se levanta de manhã, frita rissóis, faz sandes de couratos e compra um Compal diariamente. Organiza tudo num saquinho e dirige-se à Santa Casa da Misericórdia da localidade. Apressa o passo e tenta chegar cedinho. Tem tanta coisa para ver…

Vai visitar a mulher.

Luísa está internada com demência há 5 anos.

Ele tem 90 anos, ela ainda não chegou aos 80.

Tempo tão escasso para se dizer ainda tanta coisa.

Entra nas instalações e cumprimenta as funcionárias como se fossem lá de casa. Corrige a postura e compõe-se meticulosamente. É tão importante aquilo que vai fazer…

Entra na sala e procura-a com o olhar.

Quando a encontra, atravessa a sala e pergunta-lhe se ela se quer casar com ele outra vez. Diz-lhe que está linda.

Ela sorri e estende-lhe as mãos. Ela, que não reage a ninguém e pouco fala, só quer agarrar-se a ele e dar-lhe beijinhos.

Num desses momentos, tive a sorte de estar presente e captar toda esta ternura que tentei passar através da lente.

A misericórdia pode ser visível sim e, neste dia, aprendi muito.

Aprendi que o amor não se acaba com a memória, ou com a falta dela.

Aprendi que apesar de estarmos frágeis por dentro, podemos sempre “fingir” que tudo está bem mesmo quando não sabemos o que vai acontecer.

Aprendi que uma pessoa que já foi alegre, passa a sua alegria para quem a rodeia, para quem quer perpetuar a realidade da felicidade.

Este senhor ensinou-me isto nesse dia.

Ensinou-me que com 90 anos ainda se pode fazer tudo por alguém, especialmente quando esse alguém já não sabe quem é.

Texto de autor desconhecido”

Este é um dos exemplos da solidão em que vivem um muito significativo número de idosos no nosso concelho e mesmo no nosso país. Muito pouco tem sido feito para colmatar esta situação. Tudo se deve à falta de eficácia do poder político, mas, também, da própria família.

Depois que os filhos crescem e conquistam a sua independência financeira, é normal que eles saiam da casa de seus pais para poderem viver sozinhos. (a não ser os que continuam debaixo do mesmo teto, por razões económicas e outras).

No entanto, nalguns casos, o idoso acaba por ser posto de lado pelos seus familiares, que, muitas vezes, nem sequer os vão visitar.

Existem, ainda, as situações em que os idosos são inseridos em lares ou casas de repouso, solução meritória, uma vez que, na generalidade, essas instituições oferecem toda a estrutura necessária para garantir o bem-estar e qualidade de vida dos meninos da idade maior.

Apesar de tudo, deve-se ressaltar que é muito importante que eles recebam visitas dos seus familiares com regularidade, o que, normalmente, não acontece.

A solidão é um dos problemas que mais afeta a população idosa em Portugal. Saiba o que pode causar este sentimento de solidão e o que pode fazer para o evitar.

Segundo dados fornecidos pelo Instituto Nacional de Estatística e da Pordata, em 2021 havia 446 900 pessoas com idades entre 65+ anos a viver sozinhas.

No mesmo ano houve mais de 10 000 chamadas para a linha de apoio SOS Voz Amiga (fonte: SOS Voz Amiga).

É importante, ainda, que se saiba que 1 em cada 5 idosos vive sozinho em mais de 60% dos municípios portugueses. (Fonte: Fundação Francisco Manuel dos Santos).

No concelho da Covilhã, que tem 46 455 residentes (população), dos quais 29,8% é população idosa com 65+ anos, estão sinalizados mais de 2 500 idosos (12,4% da população) a viver em situação de isolamento social.

Com o aumento da esperança média de vida, o tema da solidão nos idosos torna-se cada vez mais recorrente nas conversas do dia a dia e abordado de diferentes formas nos meios de comunicação.

O problema é evidente: há cada vez mais idosos em situação de total isolamento e depressão. Por isso, torna-se urgente perceber por que razão tal acontece e o que podemos fazer enquanto sociedade para combater esta realidade.

Existem vários fatores pessoais e sociais que contribuem para o isolamento dos idosos.

Entre eles estão a solidão associada à reforma, o isolamento após a viuvez, o abandono pela família, a falta de meios para alcançar um lugar em IPSS ou casa de repouso, temas estes que vão merecer uma nova abordagem em edições futuras do semanário O FORUM.

Este é, atualmente, um drama social que ainda não está a merecer a devida atenção dos nossos governantes e, do que a nós diz respeito, ainda longe das preocupações e dedicação do poder político local.

Muita coisa está a faltar para que este tema comece a conhecer alguma evolução. Não chega os eventuais e muito insuficientes subsídios atribuídos, a conta-gotas e a longo prazo.

Há falta de responsáveis sociais diretos para o tema que estamos aqui a tratar - o isolamento e a solidão.

Queremos todos acreditar que ainda existe sensibilidade para que possam despertar para esta realidade: “Um dia seremos nós a estar na mesma situação”. Vamos, pois, trabalhar com mais afinco em prol de soluções para minimizar os efeitos desta catástrofe social.

Sabemos bem que Portugal é o país da União Europeia a envelhecer mais rapidamente.

São muitos os especialistas que alertam para a falta de medidas de combate à solidão.

Que bom que era que, socialmente, o nosso concelho pudesse apresentar uma solução eficaz para se resolver, de vez, o estado de isolamento dos nossos séniores, dando, assim, o exemplo ao país e ao mundo. A Covilhã tem meios (técnicos e financeiros) para o fazer. Haja vontade política.

Vamos continuar a acreditar e a ter fé…

- 07 mar, 2023