Diretor: Vitor Aleixo
Ano: XI
Nº: 587

O ano do regresso de Neville Chamberlain Voltar

No dia 24 do corrente mês, faz um ano que teve início a guerra na Ucrânia, iniciada com a invasão deste país pela Federação Russa, cujo chefe de Estado, Vladimir Putin, não teve qualquer pejo em a qualificar, eufemisticamente, como uma “operação militar especial”.

Doze meses passados, a guerra continua e, ainda pior, sem que se vislumbrem quaisquer sinais apontando para o seu fim. Pelo contrário, anunciam-se, da parte dos invasores/agressores, novas e muito mais gravosas ações militares que semearão mais destruição, mortes e desolação entre o povo ucraniano. Esta guerra foi movida à Ucrânia com violação dos mais elementares princípios do Direito Internacional e da própria Carta das Nações Unidas, de que a Rússia e a Ucrânia fazem parte. Ao longo destes doze meses de conflito, o povo ucraniano, em notória inferioridade de meios e forças militares e sangrado de grande parte da sua população, que deixou o seu país engrossando numerosos contingentes de refugiados, pois esse povo tem dado provas abundantes e à evidência de uma coragem física, mental e espiritual que pede meças à História e que muito dificilmente deixará de figurar nos seus anais mais gloriosos.

Mas não tem sido fácil a saga dos ucranianos e dos seus líderes políticos e militares. Apesar de agredidos e amputados já de uma parte do seu território, como a Crimeia, anexada pela força pela Rússia em 2014 e ainda ameaçada de outras anexações, como na região do Donbass, a Ucrânia ainda tem sido confrontada, ao longo deste conflito, por posições e oposições de alguns países – como tem sido o caso do sempre ambíguo regime ditatorial chinês – e, no campo da opinião política, por tomadas de posição públicas e análises propositivas que hábil e cinicamente encobrem o desejo de uma derrota militar para o País do Leste europeu, acompanhadas de propostas mais ou menos claras segundo as quais a Ucrânia deverá ceder, ainda que parcialmente, às pretensões do regime russo, em especial na cessão de território. 

Mas esta cegueira tem outros prolongamentos, nomeadamente em artigos de opinião em jornais e revistas de nomeada que pelos seus conteúdos, embora minoritários, defendem pontos de vista claramente pró-russos, em certos casos recorrendo a conjunturas históricas mais ou menos próximas e semelhantes à que vivemos. Recentemente, tive oportunidade de ler um longo artigo publicado em revista internacional de renome no qual o seu autor, reportando-se à solução do conflito na Ucrânia, recuperou a política de apaziguamento face a Hitler do célebre político inglês Neville Chamberlain que, em 1938, quando Hitler e o seu regime ameaçavam a Europa e grande parte do mundo e já tinha anexado a Áustria, voou de Londres até Munique para, juntamente com o líder francês Edouard Daladier e Benito Mussolini tentar «apaziguar» Hitler, que exigia para a Alemanha o território Checo dos Sudetas. Teve aí lugar o “Acordo de Munique”, através do qual, e num ato de traição à Checoslováquia, Chamberlain e Daladier “ofereceram” ao líder alemão a região dos Sudetas, crentes de que, cedendo «território por paz” ao ditador, este abandonaria a sua política expansionista. Claro que Hitler aceitou prontamente, esfregando as mãos de satisfação e rindo à socapa da ingenuidade e pusilanimidade dos governantes das duas potências democráticas. Foi assim assinado, em 29 de Setembro de 1938,  o célebre «Acordo de Munique» e Chamberlain e Daladier regressaram felizes e contentes, proclamando com exuberância, enquanto agitavam o papel do acordo: «Paz para os nossos dias!».

Claro que não houve paz. Dias depois, o exército nazi não só invadiu e anexou os Sudetas, como tomou todo o País, prosseguindo depois para a Polónia, que acabaria por dividir com Staline, e por aí fora em toda a Europa. «PAZ POR TERRITÓRIO», eis o que alguns, nos nossos dias, pelos vistos esquecidos ou ignorantes da História, propõem para a solução da Guerra na Ucrânia. Pobres ingénuos que acreditam que desse modo apaziguariam o ditador do Kremlin, fazendo assim regressar, no ano de 2023, a política suicida de Neville Chamberlain! Valeu à Europa e ao Mundo, naquela altura, um grande estadista que dava pelo nome de Winston Churchill. «Paz por território» não só não conduziria à paz como promoveria a guerra.

- 22 fev, 2023