Diretor: Vitor Aleixo
Ano: XI
Nº: 587

Viver com tostões no bolso… Voltar

As dificuldades financeiras agudizam-se em algumas famílias e a nossa região não foge à regra. Nesta edição o Jornal Fórum foi conhecer a realidade de algumas famílias que aqui moram, e preservando a sua identidade mostra como a inflação, o aumento dos preços e o desemprego afetou as famílias. Nos concelhos da Cova da Beira a realidade também é cruel, apesar de a ajuda alimentar suprir algumas das necessidades.

Dez da manhã e estamos na vila do Tortosendo, Maria (nome por que quer ser tratada nesta reportagem) vem com um ar cansado, perdeu o emprego em novembro de 2022, mas tem 56 anos, o que está a dificultar arranjar trabalho, faz umas horas de limpeza, mas que não chegam para pagar todas as contas. Divorciada e com dois filhos (um deles com problemas de saúde), desespera e não fosse a ajuda que lhe dá uma instituição da Covilhã “+passaria muita fome”. “Nunca almoçamos desde que perdi o emprego, o que o meu filho ganha dá para pagar a renda da casa e as contas e pouco mais, tentamos comer com aquilo que ganho a fazer umas horas, mas não chega, então optamos por não almoçar e ao jantar comemos uma sopa com mais alguma coisa”, começa por dizer à nossa reportagem.

O filho de Maria de 22 anos tem uma doença rara “gasto muito dinheiro em medicamentos”. “Nunca me vi assim, vamos às compras e aproveitamos as promoções, mas nunca conseguimos trazer tudo, falta-nos muita coisa, não fosse a ajuda que temos de uma associação local já teríamos tido muitos mais problemas”, afirma.

Os 250 euros que paga de casa prejudicam o orçamento familiar, sendo que gasta “centenas de euros na farmácia por mês com o filho”. “Já pedimos uma casa à Câmara, mas ainda não nos foi concedida e já tentámos mudar, mas os preços são elevados e não conseguimos”, diz.

Maria queixa-se dos apoios do Estado que “são burocráticos e depois não vêm, somos três em casa e pelo facto do meu filho estar a trabalhar não tenho direito ao RSI, infelizmente também não tive direito ao subsídio de desemprego por outras questões”, refere.

 

Viver com 250 euros por mês

João Alberto é reformado tem 86 anos e vive com pouco mais de 250 euros por mês. Paga 180 euros de renda de casa e o resto fica tudo na Farmácia. Valem-lhe os sobrinhos que lhe pagam as contas da água, luz e gás e a Conferência de São Vicente de Paulo que lhe dá um cabaz mensal. Sempre descontou pouco e a reforma “é uma miséria”. “Trabalhei a vida inteira para ter isto para o fim da minha vida, não faço compras, não posso, e há anos que não entro num café, só como aquilo que me dão e já cheguei a passar muita fome”, diz.

Queixa-se que com a pandemia as coisas pioraram e a subida de preços veio trazer um problema acrescido na compra de alimentos. “Cada vez estou pior e depois com esta idade e com a saúde frágil não posso trabalhar noutra coisa, penso que é uma coisa que o nosso Estado tem que fazer mais, olhar pelos velhos, pelos que trabalharam para o país, mas que por uma ou outra razão pouco descontaram e depois vemo-nos com estas reformas miseráveis que não dão para comer”, afirma.

João Alberto queixa-se ainda de se sentir abandonado pelo Estado. “De vez em quando dão-nos umas migalhas como aconteceu o ano passado, mas era preferível darem-nos mais alguma coisa todos os meses, para que consigamos sobreviver, pelo menos comer minimamente”, refere.

Este Homem queixa-se ainda do frio e das dificuldades para aquecer a casa. “Acha que com 250 euros consigo aquecer a minha casa. Às sete da tarde estou na cama, tapo-me com cobertores para aguentar o frio, porque não há dinheiro para ligar os aquecedores”, conta.

À nossa reportagem também falou Isabel, angolana, mão de três filhos sem rendimentos. Veio porque um amigo lhe prometeu emprego e casa, chegou cá e nada tinha. Sem nada conseguiu alugar uma casa pequena no centro histórico na cidade da Covilhã e com a ajuda de algumas associações da cidade conseguiu equipá-la, mas não há dinheiro para comer. “Tenho três filhos, entre os 2 e os 12 anos, não temos nada, vivemos da caridade das pessoas, nunca pensei que isto me fosse acontecer. O que nos tem valido é que há associações que nos ajudam com comida e roupas e cá nos vamos aguentando até encontrar trabalho, já corri tudo, entreguei currículos em todo o lado, mas está muito difícil”, diz.

 

Pedidos de ajuda aumentaram

Só na cidade da Covilhã os pedidos de ajuda dispararam nos últimos três meses. O Jornal Fórum contactou algumas instituições da cidade e na maioria os pedidos de ajuda alimentar dispararam mais de 30%. Um aumento substancial e que preocupa os responsáveis. Mas estes problemas não são apenas na cidade da Covilhã, também em Castelo Branco os pedidos de ajuda aumentaram, tal como em todo o país. Existem hoje pessoas que não têm dinheiro para comer ou para aquecer a casa. A nossa reportagem falou no último mês com muitas pessoas que se queixam de ter perdido rendimentos e de não conseguirem pagar as rendas da casa. Há situações de seis meses de rendas em atraso e de processos de despejo.

As dificuldades agudizam-se na faixa dos 50 anos para cima, onde é mais complicado encontrar emprego.

 

Banco Alimentar com mais pedidos de ajuda

No início deste ano o presidente do Banco Alimentar Contra a Fome da Cova da Beira, Paulo Pinheiro falou ao nosso Semanário e mostrou-se muito preocupado com o aumento dos pedidos de ajuda. Paulo Pinheiro afirma que “embora o Banco Alimentar não possa dar alimentos a pessoas particulares ajuda as associações e sentimos que essas mesmas associações estão com muitas dificuldades”, refere.

“Há instituições que tiveram um substancial aumento de pedidos de ajuda e sabemos que o que damos não é suficiente”, diz.

O Banco Alimentar tem tido alguns donativos e com as campanhas que realiza duas vezes por ano “conseguimos equilibrar as coisas”. “Mas sabemos que por vezes não chega, tentamos ir até onde podemos, mas por vezes é muito difícil”, diz.

O Jornal Fórum falou com algumas famílias e deixamos alguns números. Há pessoas que vivem com 150 euros mês, a doença e a incapacidade para o trabalho por vezes prejudicam ainda mais.

O aumento dos preços e a inflação prejudicou ainda mais os agregados familiares e os apoios do Estado são parcos, resta o tempo, a espera e por vezes a impaciência de passar um dia de cada vez.

- 18 fev, 2023