Diretor: Vitor Aleixo
Ano: XI
Nº: 587

Pensar com serenidade nos túneis da Serra da Estrela Voltar

Nos últimos tempos tem-se cristalizado uma decisão, nunca votada, mas que passa a aprovada por falta de comparência dos interessados. Por volta de 2007, há mais de 15 anos, houve uma serie de estudos, projetos e decisões sobre a construção dos túneis da Serra da Estrela. A ligação era Seia-Manteigas e Manteigas-Covilhã. À época considerou-se que os 704 milhões de euros, previstos para o seu custo, eram um valor demasiado elevado.

De facto, 704 milhões é algum dinheiro. Mas nada comparado com o gasto pelo estado na queda do Banco Espírito Santo em 2014. Sim, segundo contas de final de 2022 o estado já meteu neste banco 8 300 milhões, isto é 12 vezes mais do que custariam os túneis. Será que o valor desse investimento, para o país, é mais importante do que os túneis?

Por outro lado, em 2021 falava-se em 1 794 milhões injetados pelo estado na TAP. E em 2022 o estado acabou por meter nesta empresa mais 980 milhões. Ou seja, um total de 2 774 no equivalente a 4 vezes o custo total por que ficariam os túneis da Serra da Estrela. Poderíamos continuar a elencar casos similares, mas seria fastidioso. Só nestes dois “casos” já contamos 16 vezes o custo da travessia da serra!

Em boa verdade governar é decidir onde investir o dinheiro dos contribuintes. E o estado tem decidido colocar o seu dinheiro em outros locais e não na construção dos túneis porque, alegadamente, também não havia dinheiro. Dinheiro até havia, como temos visto, não havia era vontade!

Com as crises financeiras, os resgates do FMI, e a Covid, toda esta história foi ficando no esquecimento. E nem sequer as vias alternativas que nos venderam na altura, em substituição do túnel, foram implementadas. Estas passariam por ligar Seia, Vide, Pedras Lavradas, Unhais da Serra ao Tortosendo, pelo assim chamado IC6, e com ligação à A23. Esta opção também foi sendo esquecida, e hoje já pouco se fala nela. É a técnica de vencer pelo cansaço.

Em qualquer obra, em Portugal, é habitual dizer-se que só se faz se houver fundos comunitários. E, já todos percebemos, os fundos comunitários do PRR ou do PT2030 não parecem ter como prioridade estas obras. Mas talvez seja altura de fazer outra pergunta, antes da nossa entrada na antiga CEE, em 1985, não se faziam obras em Portugal?

Sim, faziam-se, e eram feitas com o orçamento de estado. É este orçamento de estado que tem andado muito ausente das obras públicas em Portugal desde a nossa entrada nas instituições europeias. Desafio o leitor a encontrar uma placa de obra pública onde não esteja o símbolo da União Europeia. Então, serenamente, é altura de começar a convocar novamente o orçamento de estado para o investimento em obras públicas fundamentais, como é o caso dos túneis da Serra da Estrela. Em lugar de o usar no resgate de bancos e da TAP.

Muitos pensarão que são obras impossíveis, que nunca se realizarão. Pois, mas não são todas as obras deste tipo utopias? O túnel da Gardunha, o túnel do Marão, ou o queijo suíço de túneis feitos na Madeira, não eram todos eles obras utópicas? Mas estas utopias acabaram por materializar-se porque as populações locais assim o exigiram. E, se a exigência for forte, quem decide terá de ceder à vontade das populações.

É altura de voltar a pensar com serenidade sobre a construção dos túneis da Serra da Estrela. Mesmo que nos vendam a ideia de que são obras impossíveis não devemos desistir. É importante manter estas obras na ordem do dia, e exigi-las em todos os fóruns. Em boa verdade, a razão por que elas têm saído da ordem do dia, na comunicação social, e até nas conversas de café, é porque nós deixámos de nos preocupar com elas. Temos de assumir que nos deixámos adormecer, que deixámos que nos convencessem da sua impossibilidade. O que não é verdade! Pois criar o amanhã é construir o impossível hoje.

- 31 jan, 2023