Diretor: Vitor Aleixo
Ano: XI
Nº: 587

O PCP na morte de Mickail Gorbatchov Voltar

A Democracia, pesem os seus defeitos e até fragilidades, tem pelo menos o mérito de permitir a pluralidade político-partidária e também, naturalmente, a pluralidade das opiniões. Vou mesmo mais longe: os regimes democráticos dão guarida, por vezes, até ao insulto e à estupidez. O mesmo, como sabemos, não acontece nos regimes políticos ditatoriais, onde o pensamento único é imposto – e rigidamente vigiado! E a opinião é propriedade exclusiva dos detentores únicos do Poder. Esta realidade, que a História fartamente ilustra, tem, paradoxalmente, o condão de permitir que as forças políticas que sempre apoiaram – e em alguns casos continuam a apoiar – os regimes ditatoriais, comunistas ou outros, beneficiem, nas democracias em que militam, de todos os direitos político-constitucionais. É essa a grandeza das Democracias e também a sua superioridade moral. A este propósito, cabe aqui recordar a afirmação do político da Alemanha nazi Joseph Goebbels que chegou ao cinismo de realçar esta característica das democracias abertas, que albergam – e até beneficiam com distribuição de fundos – os grupos partidários que atuam e militam pela sua destruição.

A morte de Mikhail Gorbatchov constituiu uma enorme perda para a civilização europeia e mundial. Independentemente das contradições da sua ação, embora esta inspirada em propósitos progressistas, o agora falecido ex-Presidente da defunta União Soviética fica para sempre na nossa memória pelo melhor da sua obra.

Como era de esperar, o Partido Comunista Português, que na sua estagnação galopante atual nada fica a dever à estagnação que grassava na União Soviética do tempo de Mikhail Gorbatchov, veio, pela voz do seu Secretário-Geral Jerónimo de Sousa, dizer o que todos prevíamos: que Gorbatchov «destruiu a União Soviética», acusando-o de ser o «responsável pelo fim do sistema comunista». E: «O PCP critica o último Presidente da URSS por ter contribuído para a queda do bloco soviético e dado esperança à entrada do sistema capitalista na atual Federação Russa».

Se tivesse de ser o caso e se o espaço fosse suficiente, poderíamos lembrar aqui ao senhor Jerónimo de Sousa, com abundância de factos, que a destruição da União Soviética começou, pelo menos, com os criminosos «Processos de Moscovo», determinados por Estaline, e que deram origem a milhares de condenados à morte, entre os quais muitos «leninistas», como Kirov, que o «Pai dos Povos» mandou executar, como lhe convinha. Para já não falar dos crimes que acompanharam a chamada «coletivização forçada», cujo um dos palcos mártires foram os campos da Ucrânia. Sim, a destruição da União Soviética teve o seu início algumas décadas antes da emergência de Mikhail Gorbatchov. E se a senhora vereadora Bárbara Barros, militante do PCP, vai, como já anunciou, «brindar à morte de Gorbi» na Festa do Avante, não é aqui destituído de lógica afirmar que há várias décadas que a «Marcha Fúnebre» deveria ter sido tocada pela morte da «Pátria do Socialismo».

Compreende-se o discurso de Jerónimo de Sousa. Mas ele também se esqueceu de referir que o processo de decadência e de destruição da União Soviética foi igualmente assinalado pelo Relatório de Nikita Khrushchov no famoso XX Congresso do PCUS de 1956, onde denunciou não apenas os crimes de Estaline e do Regime Soviético, que o PCP e o próprio Álvaro Cunhal sempre silenciaram, mas também o estado lastimável do país e dos países onde reinava o princípio da «soberania limitada» do chamado Bloco Comunista.

Não faltaram ainda os inevitáveis ataques ao Imperialismo Americano, em mais uma edição da «cassette» de um básico primarismo político. Referiu-se o senhor Jerónimo de Sousa às invasões norte-americanas do Iraque, do Vietname, e de outros países. Mas teve o cuidado de omitir, por ser «a verdade a que temos direito», a imperialista invasão soviética do Afeganistão, país no qual o Exército Vermelho se atolou, durante dez anos, em sucessivas derrotas e do qual se retirou, derrotado e humilhado. Para não falar das invasões da Hungria de 1956, da Checoslováquia e da Polónia. Mas essas são coisas do «bom imperialismo» soviético.

São estas, como têm sido tantas, as palavras que o vento leva vindas do PCP. São palavras que não caem em terra fértil, mas em terrenos cheios de pedregulhos, onde não vão nunca florescer. Para os que amam a Democracia e a Verdade, fica a boa memória de Mikhail Gorbatchov. A minha homenagem a esse, mais do que um Político, um verdadeiro Estadista.

- 16 set, 2022