Diretor: Vitor Aleixo
Ano: XI
Nº: 587

Saúde Voltar

Falar de Saúde em Portugal – ou noutro país qualquer, de facto- implica ter uma ideia mais ou menos precisa de como o País está estruturado, quais as doenças mais frequentes em cada grupo etário e quais as soluções presentes para cada problema, ou seja, que tratamentos temos disponíveis para cada situação. E quando começamos a pensar nisto apercebemo-nos que a Saúde em Portugal não é só um problema em si (e um problema mesmo GRANDE...), mas o reflexo de muitos outros. Um deles é indiscutivelmente a falta de literacia em saúde- e em economia e em política e em tudo- que os portugueses de uma forma geral têm. Mais concretamente no âmbito das chamadas doenças neurodegenerativas- que afetam maioritariamente populações envelhecidas como a nossa, é raro ter doentes – e sobretudo famílias- que entendam o pouco que a medicação realmente faz em determinados processos e como é necessário prevenir, tratar e recuperar estas doenças de outras formas.

As doenças neurodegenerativas – a doença de Parkinson e a doença de Alzheimer no topo da lista, mas em conjunto com muitas outras - não têm ainda um tratamento curativo. O diagnóstico é essencialmente clínico, no início do processo estas doenças podem ser confundidas com outras mas quando o diagnóstico é claro o que temos como armamento terapêutico é pouco. E se encarássemos a luta contra estas doenças como uma guerra eu diria que a estratégia seguida não é muito boa, porque cada vez temos mais doentes, a viverem mais tempo em péssimas condições e com muito poucas perspetivas de estabilização ou melhoria. E existem sempre agravamentos por outras causas- o isolamento social, por exemplo, desencadeou uma epidemia de quebras nas capacidades cognitivas das pessoas que a medicação não conseguiu ajudar a evitar.

Na guerra contra as doenças neurodegenerativas há duas áreas em Portugal em que se combate pouco: uma primeira linha de batalha é na prevenção. A necessidade de começarmos a prevenir um envelhecimento saudável tem de começar na Escola (outro GRANDE problema...) a aprender a comer (e não temos nada uma dieta mediterrânica, e comer queijo e enchidos não é saudável, e o excesso de peso de toda a população diz-nos isso mesmo), a fazer desporto, a criar redes sociais reais e não de “faz de conta”, a participar ativamente na comunidade, a estudar sempre, a aprender sempre. E mais tarde, com o passar dos anos a continuar o mesmo processo de exercitar o corpo e a mente de forma a não deixar que os anos nos apanhem. Ter o privilégio de se sentir com 18 anos aos 81 ainda acontece, mas é raro- mas poderia ser muito mais frequente. A prevenção do envelhecimento patológico deveria ser a guerra de nós todos, porque todos podemos ter uma doença destas. E todos- ou quase todos- temos estilos de vida muito pouco saudáveis.

A segunda linha de batalha está com os doentes propriamente ditos. O que acontece maioritariamente em Portugal a um doente demenciado é ser encaminhado para um Lar / ERPI, assim que deixa de ser autónomo e que o cuidador deixa de conseguir responder às necessidades que a doença acarreta. A verdade é que as ERPI não estão preparadas para ter estes doentes -não são clínicas, não são hospitais, nem unidades de cuidados continuados – não têm gente suficiente, não têm quadros, não têm capacidade para tratar doentes com necessidade de estimulação constante. A par da medicação, o doente com patologia neurodegenerativa deve ter uma estimulação cognitiva e motora continuada, com a introdução de novos estímulos, de preferência sendo mantido no seu meio ambiente. Não ponho em dúvida a boa vontade das ERPI e de quem lá trabalha, mas o resultado final é uma população de doentes, progressivamente mais doentes, “aprisionados “ em estruturas que não os conseguem tratar e que fecham as portas para não fugirem...

Se me permito sonhos, eles têm a ver com comunidades terapêuticas específicas para estes doentes, em que as famílias participem, em que o doente seja o centro do processo, em que a Medicação se alie a outras formas de recuperar, de estimular e de tratar estas doenças- comunidades de estimulação e de recuperação neurológica que permitam o retardar da doença, manter mais tempo a autonomia e dar mais vida aos anos destes doentes. Um processo inserido em sociedades saudáveis, bem alimentadas, participativas, em meios ambientes preservados e com ecossistemas sustentáveis...São sonhos, infelizmente muito longe da realidade.

Mas como diz o Poeta, pelo sonho é que vamos...

- 06 ago, 2022