Diretor: Vitor Aleixo
Ano: XI
Nº: 587

A História que não fez Mobilidades Voltar

À Covilhã nunca faltaram projetos arrojados e se alguns foram executados, a maior parte não passou de intenções. Arrumados em arquivos, nas páginas de velhos periódicos ou em poeirentos livros de atas, eles dão-nos conta da vontade de uma comunidade, dos seus sonhos e limitações. Desde hospitais, hotéis, prisões, conventos, salas de espetáculos houve de tudo um pouco. Hoje, falarei de alguns ligados às mobilidades, selecionando apenas uns tantos que se destacam pela ousadia e singularidade.

 Com as obras de instalação para o caminho-de-ferro, em finais da década de 1880, começa a preocupação de como vencer o desnível entre a área da futura estação e a parte alta da cidade. Em 1888, foi concedida pela Comissão Executiva Municipal, autorização a Cândido Augusto de Albuquerque Calheiros, futuro Conde da Covilhã, para assentamento de um caminho-de-ferro americano, que permitisse estabelecer a ligação entre a zona da estação e o centro da cidade. Tratava-se de um sistema de transporte de tração animal que se deslocava sobre carris, uma espécie de carruagens do elétrico puxadas por cavalos. No mesmo ano foram concessionados, pela Comissão Executiva Municipal, a António Ordaz, os ascensores mecânicos da cidade, no trajeto entre a futura estação e a Rua Marquês d’Ávila e Bolama. No mesmo período, a Companhia Portuguesa de Ascensores propôs-se construir e explorar uma linha destes equipamentos na cidade. No ano seguinte, em 1889, António Ordaz apresentou à Câmara Municipal as plantas do ascensor mecânico, de cuja construção era o concessionário. Dez anos depois, em 1899, e sem que nada acontecesse, é elaborado o projeto para a instalação do plano inclinado (elevador) que ligaria a zona da estação de caminhos-de-ferro ao largo de São João de Malta, por Raúl Mesnier Ponsard, o mesmo autor que venceu Eiffel, no concurso para a construção do elevador de Santa Justa, em Lisboa. Esta estrutura não veio a ser concluída, somente em 2013 se inaugurou o funicular de São João para o mesmo itinerário.

   Se chegar da zona da Estação ao centro da cidade era difícil, imagine-se o que seria ir da cidade até ao alto da serra.

 Foi, em 28 de outubro de 1936, que a Comissão de Iniciativa e Turismo da Covilhã elaborou um projeto para um funicular na Serra da Estrela. Nessa altura o acesso ao maciço central fazia-se com dificuldade até à Nave de Santo António, daí até à Torre era uma aventura só para os mais destemidos. Demorava mais de uma hora. No entanto, o turismo mostrava que podia crescer e rentabilizar a montanha que deixara de pertencer somente aos pastores. Na justificação que então se fez para o projecto podia-se ler: “este funicular irá  proporcionar à maioria das pessoas que vizitam a Nave, e estas são algumas centenas, um passeio, sem maçada, e a trôco de poucos escudos”. O funicular conduziria os visitantes da Nave até ao Cântaro Raso, no ponto denominado Forcalhinha. Porém o projeto era de difícil exequibilidade, pelo que nunca passou do papel. Mais tarde, a The British Ropeway Engineering Co. Ltd. London efectua os primeiros estudos para um teleférico que haveria de ligar a zona Piornos à Torre. Mas é só em 1961 que a Comissão Regional de Turismo da Serra da Estrela apresenta o projecto para as estações. Da autoria do arquitecto Fernandes Pinto e do engenheiro Manuel Frederico Basto Saragoça as estações do vale (Piornos) e do monte (Torre) são estruturas muito simples. Para que tivessem um bom enquadramento local foram projetadas para serem construídas em alvenaria de pedra da região e madeira de cerne de pinho, o revestimento da cobertura em chapa de zinco pintada. Ambas seriam constituídas por dois corpos, um para albergar os elementos essenciais ao funcionamento do teleférico, amarrações de cabos, motores cabine de comando, o outro destinado às bilheteiras, salas de espera, instalações sanitárias e bar.

As obras iniciaram-se, mas um percurso de incidentes de ordem vária tornou o teleférico no “desastre” que todos conhecemos.

Já mais próximo dos dias atuais houve quem apregoasse a ideia de um metro de superfície, ligando Vale Formoso à Covilhã, ou de um teleférico para servir apenas o espaço urbano. Ficaremos agora a espera que surja o arrojado capaz de apresentar um projeto de teletransportador para evitar as subidas íngremes da Covilhã, com base no velhinho sistema que, a partir de 1966, nos fascinou em Star Trek.

Carlos Madaleno, Historiador

- 24 jun, 2022