Diretor: Vitor Aleixo
Ano: XI
Nº: 587

Campos pelados! Em que século estamos? Voltar

Este ano na qualidade de treinador de futebol, tenho tido a oportunidade de visitar vários recintos desportivos do nosso distrito. É sem dúvida um privilégio estar envolvido num mundo que apesar de amador, não deixa de ter boas e saudáveis dinâmicas.

Nesta passagem pelos recintos desportivos e na oportunidade de pisar as respetivas superfícies de jogo, algumas delas onde apenas se pode vislumbrar a cor verde devido à presença de pequenas quantidades de herbáceas que teimam em sobreviver, resistindo às pisadelas dos desportistas, surgiram-me algumas dúvidas. Estarei eu mesmo no século XXI? Alguém me teria colocado numa máquina do tempo sem que desse conta? O tempo parou naquela parcela de superfície terrestre? Tantas dúvidas surgiram, que pensei em partilhar esta reflexão com o caro leitor.

O futebol surgiu em Portugal entre 1880 e 1890, estamos a falar de uma distância temporal para os dias de hoje de mais de 100 anos. Nos últimos 100 anos o homem conseguiu ir à lua, surgiram os walkmans e desapareceram, os carros elétricos são uma normalidade, nas escolas a ardosia desapareceu dando lugar a quadros interativos, uma enorme e veloz evolução em tantas áreas, que me leva a questionar porque é que este tipo de recintos, vulgarmente chamados de pelados, não acompanharam o ritmo do desenvolvimento e inovação!

Certamente porque muitos órgãos decisores assumem publicamente que valorizam o desporto, no entanto são desconhecedores da repercussão da falta de investimento em condições de prática dignas. Pergunto! Porque não andamos em automóveis com 100 anos? Porque não vivemos em casas com 100 anos? Porque não usamos a tecnologia que existia há 100 anos? Certamente não seria muito cómodo e funcional. Parece-me evidente! E por isso as bolas de futebol de couro já não são utilizadas, assim como as históricas botas de travessas entraram em desuso, os vestuários evoluíram, a tecnologia e as superfícies de jogo também, mas infelizmente a necessidade de investimento não permitiu que todos fossem brindados com a sorte da dignidade.

E pergunta o leitor, mas jogar num campo pelado faz assim tão mal? Claro que não, mas também não faz mal ver televisão a preto e branco, não faz mal a iluminação de uma habitação ser a petróleo, não faz mal comunicar apenas por cartas, não faz mal dar à manivela para pôr um carro a trabalhar. Pergunto eu, nos dias de hoje considera que é funcional um campo pelado? É atrativo para potenciais praticantes? Valoriza o espetáculo? Incentiva a sociedade a hábitos de vida saudáveis? Evidentemente que não.

Veja a discrepância de oportunidades. Muitos clubes e municípios já substituíram os seus sintéticos tanto pelo desgaste dos anteriormente instalados, como pela procura de relvados sintéticos de gerações mais recentes, que aumentam a qualidade e segurança da prática desportiva. No entanto, outros ainda vivem em condições de um passado longínquo.

Na prática, a relva (sintética ou natural) aumenta o conforto dos intervenientes, comparativamente com histórica mistura de pedra, areia, erva e buracos. No campo pelado, quando chove a lama impede a bola de rolar. E jogar futebol nada tem a ver com empurrar a bola pelos charcos. Por outro lado, quando não chove a bola em vez de rolar saltita descontroladamente aumentando a imprevisibilidade do jogo. E a imprevisibilidade faz parte do jogo, mas refiro-me aquela associada ao aumento da capacidade dos jogadores ou da equipa, não por uma condicionante que devia ser o mais regular possível.

Concluo, considerando que já não há necessidade de trazer para casa carradas de terra encrostados nos equipamentos, não há necessidade de ter de fechar os olhos para cabecear a bola, evitando que a areia entre para os olhos, já não há necessidade de deixar a pele no solo. O mundo evoluiu e as condições de prática também devem acompanhar.

 

João Sá Pinho, Professor

- 07 jan, 2022