Diretor: Vitor Aleixo
Ano: XI
Nº: 587

António Macieira, o senhor Ministro! – 1ª parte Voltar

Preparava-se a visita do Senhor Ministro da Justiça. Os republicanos andavam numa fona! Nesse tempo a separação do Estado das Igrejas impunha-se, renascem as velhas leis de Joaquim António de Aguiar, o “Mata - Frades”. Estes com a terrível fama de evangelizadores de herdeiras ricas!

Anunciava-se, nos jornais com tinta republicana, o leilão dos bens das extintas Congregações Religiosas para o próximo domingo. Venda em hasta pública e pelo maior lanço obtido, de todo o mobiliário que pertenceu à casa dos jesuítas e igreja de S. Tiago.

Tudo se vende, tudo se recicla. Desde a pia para água benta até aos confessionários, passando pelos cobertores já rotos, que tapavam os pobres corpos das irmãs Doroteias. O comerciante João Alves da Silva, aquele que em mil novecentos e seis com um automóvel, Darracq de 10 HP e 2 cilindros, trepa pela primeira vez os caminhos escabrosos da Estrela, arremata de uma assentada só, seis bacias de pés e uma bacia de cama. A Câmara Municipal quer lá albergar os senhores juízes! Vamos, pois ter um Tribunal magnífico, o melhor da província.

Mas até a magistratura era injuriada pelos novos tempos, pelos novos escrivas! Sua Ex.ª o senhor diretor do jornal “A Justiça”, José António de Faria Veloso, fora pronunciado e preso. Determinou tal prisão, o processo que o juiz e o delegado da comarca promoveram, baseado "em supostas injúrias partidas do acusado e que tiveram lugar há dias nos corredores do tribunal".

O jornalista desanca no juiz Luiz Monteverde e no delegado. Prejudicando o serviço da comarca, gasta o seu tempo a comprar o vintém dos ovos, os sessenta réis do fiambre, os dez réis do pimento, os cinco réis de couves e a dizer umas graçolas às vendedeiras dos ovos, assediando, pelas ruas terrivelmente republicanas, as mulheres mais vistosas. Devassa a vida dos magistrados. O delegado Alexandre Alves Soares abandona o serviço no tribunal e vai para Celorico da Beira para se dedicar ao negócio da aguardente e da vinhaça.

Mas valeu a pena! Terminou a pedinchice para os santos varões de S. Tiago e o ditote terrivelmente anti -jesuítico: - “Só tem família no Inferno quem quer”! A fábrica de S. Tiago tira de lá uma alma no mais breve tempo possível! Para isso tem cinco artistas que trabalham com a maior rapidez e perfeição. Uma fábrica de dizer missas! Aurélio Neto, o senhor administrador do concelho, não quer os sacerdotes a exibirem os seus símbolos. Proíbe-os de usarem os hábitos talares! Manda-os prender, encafua-os na pocilga a que chamam cadeia civil! Quer mandá-los para os “Quintos do Inferno”!

A torre da igreja da Misericórdia, indiferente às guerras ideológicas, marcava as duas e meia horas da tarde. O ar abafava, o povo empurrava-se, todos queriam tocar em S. Ex.ª! O cortejo, esse seguia alinhado, cantava-se “A Portuguesa”. Pelo trajeto os vivas a António Macieira, Afonso Costa, Borges Graínha, a Pereira Barata e a Cláudio Olimpo eram interessantes. Faziam um barulho de ferros castelhanos! O cortejo engorda, tomba sobre os passeios, o povo estava mais apertado que leiva de pipa! Ao passar pela casa do sr. João de Barros, uma criança ao colo oferece um “bouquet” de flores naturais ao senhor Ministro. Das varandas a esposa arremessa pétalas.

A Casa do Povo abarrotava! O presidente da Associação Operária, Vítor Ferreira, tem de falar de pé sobre a mesa. É proposto para presidente Borges Graínha. A conferência foi muito suada, muito adormecida! Os figurões republicanos já só pensavam no banquete.

No Largo do Município tocava a Banda Regimental, o Hotel Castela estava engalanado. Decorreu muito animado o jantar promovido pelo Centro Republicano. Uma canjinha, saborosa que nem gaitas, linguado frito, marrecos com champignons, língua à beata, maionese de lagosta, peru e fiambre, salada; doces e frutas, nela incluída o belo e saboroso pêssego de Orjais. Os convivas transpiram felicidade, gargalham muito, com o olho prenhe de satisfação! Têm o fole bem atestado! Cá fora, o povo, de estômago vazio, mais lazarento que o de ermitão no fim da Quaresma, retira-se para a sua vida de trabalho e exploração! (continua)

 

José Avelino Gonçalves, Juiz Desembargador

- 25 nov, 2021