Diretor: Vitor Aleixo
Ano: XII
Nº: 626

As lendas e mitos da Serra da Estrela Voltar

O final de outubro e início de novembro fica marcado por várias comemorações e rituais, cujas origens se perdem na história e identidade dos povos.

No dia 31 de outubro celebrou-se o Halloween/Dia das Bruxas. O que antecede esta data tem o nome de “Samhain”, palavra de origem gaélica que significa “fim do verão”. Sabe-se que na tradição galaico-portuguesa é designado por Samonios e refere-se às celebrações dos tempos pré-cristãos que entre finais de outubro e inícios de novembro, marcavam uma viragem na roda do ano para a fase da escuridão. Mais tarde o Cristianismo veio marcar para esta altura o Dia de Todos os Santos e o Dia de Finados para lembrar os santos, mártires e cristãos, que morreram ao longo do tempo.

O Halloween/Dia das Bruxas está assim longe de ser uma tradição americana ou exclusivamente anglo-saxónica. Apesar de nos Estados Unidos estas tradições terem sido levadas essencialmente pelos imigrantes irlandeses, as suas origens são transversais a diversas culturas da Europa desde tempos ancestrais. Na cultura galego-portuguesa é possível encontrar ainda registos e vestígios de diversos rituais que reportam para celebrações ancestrais, pelo que o Samonios e as suas tradições fazem parte do património imaterial galego-português. Uma das principais tradições que temos é a de escavar uma abóbora e de recordar olhos, nariz e boca, contar histórias fantasmagóricas ou realizar a habitual “doçura ou travessura”.

Em tempos de Halloween o Jornal Fórum dá-lhe a conhecer Lendas de Manteigas e Serra da Estrela, de teorias sobre lagoas sem fundo, sorvedouros e olhos marilhos que debitavam copiosas quantidades de água sem fim, acreditando os locais que esta água ia diretamente para os oceanos. De todas as lagoas a Escura era a que mais se prestava a lendas fantásticas o que causava certo pânico nos habitantes, principalmente nos pastores que deambulavam com o gado pelas pastagens de altitude. Relatos de destroços de um suposto navio que aí foi encontrado, levaram rapidamente à teoria da ligação ao mar. Quando os membros da Expedição Científica à Serra da Estrela em 1881, entraram em contacto com os locais para saberem sobre os supostos destroços e foi-lhes dito que um certo senhor rico que por aqui habitava mandou construir um engenho ou barco para lá brincar, que lá ficou a deteriorar-se, os seus destroços em dias de tempestade podiam ser vistos na lagoa.

Os habitantes acreditavam que a lagoa Escura seria uma lagoa sem fundo que escondia grandes tesouros, mas os relatos sobre esta lagoa não terminam por aqui. Diziam os pastores que quando estivesse seca ninguém nela se podia aventurar, pois corria o risco de lá desaparecer. Até o gado pelo seu instinto natural a evitava. Tal teoria poderia resultar das grandes quantidades de lama que se encontrariam no fundo e nas margens da lagoa. Assim, quando esta secasse ou ficasse com pouca água, a lama poderia prender os mais descuidados, pessoas ou animais, criando um efeito de sucção. Daqui também devemos considerar os relatos de movimentos da crosta terrestre perto das lagoas, e poder ser explicado pela mesma teoria. Dados recolhidos pela expedição científica calculam que a lagoa Escura deva ter uns 14 a 16 metros de profundidade, em caudal normal e de cheia, respetivamente.

Ao longo dos tempos as lagoas sempre foram lugares de grande mistério o que terá aumentado ainda mais os relatos de estranhos fenómenos. As qualidades maravilhosas das águas da serra também foram observadas pela expedição científica, desde a qualidade das águas termais na secção dedicada à medicina. Os vários relatos de “experiências” que tinham sido feitas em lagoas e com água de algumas nascentes, desde uma pessoa ter sido mergulhado numa lagoa e só se recuperarem os ossos ou de peixes que quando eram mergulhados em certa água ao fim de um dia só restava a espinha.  Sobre tesouros escondidos na serra as teorias também são bastante abundantes, desde tesouros dentro das lagoas, em poços naturais perto de Manteigas que escondiam os tesouros árabes, ou no cocuruto de Alfátema lá escondidos pelo suposto Emir pai de Alfátema. Tais lendas são prolíferas e alguns dizem que se sonhar três vezes seguidas com um tesouro no mesmo local este por lá aparece. Facto comprovado pelos relatos da Lenda do Pote de patacas que foi encontrado numa vinha.

 

 

A Lenda da Princesa Estrela

Extraída da “Monografia da Vila Seia” de P. José Quelhas Bigotte.

 

Esta lenda surgiu na época da Idade Média. Vivia um rei godo numa planície perto da Serra da Estrela que tinha uma filha muito linda, branca como as estrelas, a quem chamou Estrela. Na corte havia um cavaleiro chamado Dom Diego ou Diogo que gostava muito da princesa. Amavam-se e passavam muito tempo juntos. Aquando das guerras com os árabes, o cavaleiro partiu com o rei para terras distantes e a princesa ficou muito triste e desolada. Para saber do seu amando resolveu subir com as suas aias aos mais altos penhascos para ver se o avistava. Com voz muito triste chamava: – Mom Diego, Mom Diego! Porque não vens? Só as rochas negras repercutiam o eco… Assim passavam os dias e as noites e a princesinha a chorar. Os seus olhos eram duas fontes de água pura a correr. Tanta água derramou que escorreu pela serra abaixo. Os pastores durante muito tempo ouviam os seus ecos nas cavernas: – Mom Diego, Mom Diego. Assim deram ao rio que se formou com as lágrimas da princesa o nome de Mondego e à alta serra que se chamava de Montes Hermínios o nome de Estrela por ser linda, esbelta e formosa como as estrelas do céu. (versão resumida)

 

 

Lenda dos três rios

(Mondego, Alva e Zêzere) Do Estrela da beira, nº 97 (11-2-1934), Visconde De Sanches De Frias.

O Mondego, o Alva e o Zêzere, nascidos da mesma mãe, os três amigos viviam tranquilos e alegres. Uma Tarde, já quase de noite, envolveu-se em azeda conversa e lançaram desafios para romperem as prisões que os detinham e lançarem-se em corrida vertiginosa serra abaixo cujo objetivo seria o mar.

O Mondego, astuto, forte e madrugador, levantou-se cedo e começou a correr devagar para não fazer barulho e levantar suspeitas, desde as vizinhanças da Guarda, por Celorico, Gouveia, Manteigas, Canas de Senhorim e dirigiu-se depois de ter robustecido com a ajuda dos colegas que vieram cumprimentá-lo à “Raiva” na direção de Coimbra depois de ter atravessado as Beiras.

O Zêzere que também estava alerta, moveu-se ao mesmo tempo que o Mondego, foi em direção a Manteigas pelo vale abaixo, passou pelos terrenos da Guarda, correu para o Fundão, desnorteou obliquando para Pedrogão Grande, depois de ter cruzado três províncias e já cansado de caminhar 40 léguas abraçou-se ao Tejo em Constância para poder chegar ao mar.

O Alva dorminhoco e poeta, demorou-se contemplando as estrelas, mais do que era prudente, adormeceu confiando no seu génio. Quando despertou estremunhado, em sobressalto, avistou os colegas a correr já quase a perder de vista. O Alva atirou consigo de roldão pelos campos fora, rasgou furiosamente montanhas e rochedos, galgou despenhadeiros, bradou vingança temerosa, rugiu, e quando julgou que estava a dois passos do triunfo foi esbarrar no seu principal antagonista o Mondego que lá ia, há várias horas, pelos campos de Coimbra. O Alva atirou-se ao adversário a ver se o lançava fora do seu leito, espumou de “raiva”, mas o outro que deslizava sereno e forte riu-se e engoliu-o de um trago. Chama-se raiva a este local onde o Alva desagua no Mondego em memória à sua atitude. (versão resumida).

- 03 nov, 2021