Diretor: Vitor Aleixo
Ano: XI
Nº: 587

O novo Teatro Voltar

Só agora escrevo sobre este assunto para evitar que a minha opinião pudesse ser confundida com o momento eleitoral que se viveu e assim poder ser baralhada, acidentalmente ou propositadamente, com a realidade ou com os factos. E falo da reconstrução do Teatro da Covilhã e que gerou um consenso impressionante: havia um Teatro em ruínas, o que era péssimo, e agora temos um Teatro novo, o que também é péssimo. Finalmente todos de acordo. Eu próprio visitei o Teatro e a minha preocupação imediata foi a acústica do mesmo, ansiedade de quem sobe ao palco, sabendo que tal também se reflete no bem-estar auditivo de quem assiste. E, apesar da sala estar vazia que muitas vezes interfere no resultado final, pareceu-me ser excelente. No entanto, senti que algo podia ter sido melhor pensado, como varas de microfones no palco, como a Regi estar localizada de forma diferente, o declive na plateia ser manifestamente insuficiente e as primeiras filas mais adequadas para girafas. Mas finalmente temos uma sala condigna. No entanto, aceito sem problema aqueles que acham que um Teatro podre era melhor. Eu, por exemplo, adoro o bolor do queijo Rochefort e terei de aceitar que haja pessoas que o entendam gourmet quando imortalizado nos edifícios. Não sou adepto das redes socias, o covil dos inseguros, mas acabei por ter algum “feedback”, através de amigos, do que por ali se passava no que respeita a este tema. Então o problema maior, segundo os “entendidos on-line”, curiosamente nenhum ligado à música, residia no facto do Teatro não ter um fosso de orquestra para que pudesse haver Ópera como antigamente. Vou ser claro: a Covilhã nunca teve verdadeiramente uma Ópera, mas sim versões reduzidas a nível de intervenientes (orquestra, coro e figurantes) e cenários, de modo a poderem ser interpretados nas condições existentes, que tinham obstáculos no palco reduzido e fosso de orquestra muito pouco funcional e acusticamente quase impraticável ao ponto de sopros e percussão quase ficarem nos arrumos. O que mais me indignou, foi o de ter a perceção, pelo discurso, que as ditas almas críticas nunca assistiram a uma Ópera e agora choram por não terem a possibilidade de assistir àquilo que nunca quiseram ter assistido. Existe um fenómeno social que eu não sei explicar, que utiliza a Ópera como tentativa de demostrar eruditismo e que é no mínimo reflexo de falta de qualquer tipo de erudição. A este propósito, lembro-me de há muitos anos atrás ter ido assistir a uma dessas versões de Ópera no antigo Teatro, cuja interpretação estava a cargo de uma companhia cubana. Adorei a presunção social, com senhoras em noite de calor trajadas com casacos de peles com aquele formidável cheiro a naftalina. Recordei, olfativamente, os guarda-fatos da minha avó que vivia na aldeia e nunca foi à escola. Musicalmente foi das coisas mais deprimentes que ouvi, com solistas medíocres e uma orquestra incompleta, talvez por falta de espaço, mas musicalmente a condizer. No final, as senhoras das peles estavam radiantes, não por aquilo que viram mas sim por alguém as ter visto. Serão estes os saudosos do fosso? Para mim, a essência do debate sobre o novo Teatro terá sempre a ver com aquilo que irá oferecer ou não à população e teremos de deixar o tempo fluir para essa discussão ser racional. Má programação? Critica-se. Boa programação? Elogia-se. Mas para que isso aconteça teria sempre de haver novo Teatro. Se não fosse o momento eleitoral será que o teatro teria tantos defeitos? Nós agentes culturais devemos ser os primeiros a não deixar politizar as nossas artes nem que não seja para estarmos de acordo ou desacordo sem ter de dobrar a coluna. Portanto, venha a abertura do Teatro que estou desejoso de entrar, seja para o palco seja para a plateia.

                                                                                                                                              Luís Cipriano, Maestro

- 16 out, 2021