Diretor: Vitor Aleixo
Ano: XI
Nº: 587

Jorge Sampaio Voltar

Já neste mesmo espaço tinha escrito que há pessoas que nunca deviam morrer e também aquelas que nunca deviam ter nascido. Jorge Sampaio encaixa na primeira possibilidade. Tive a oportunidade de algumas vezes privar com ele e sempre ele na função de Presidente da República, retendo para mim as suas qualidades de ser humano, de homem culto e de alguém que nunca deixou que o mais alto cargo do país lhe dominasse a humildade. Decorria o ano de 1999 e durante a visita à Palestina para a preparação dos concertos de Natal fui jantar a casa do embaixador de Portugal em Telavive. Durante o repasto o embaixador recebe uma chamada e informa-me que o Presidente queria falar comigo. Eu nem sabia que ele sabia que eu existia. Jorge Sampaio queria saber se tudo estava a correr bem e aproveitar para me dizer que tinha muito orgulho em que um compositor português tivesse sido o eleito para compor a obra que assinalaria os 2000 anos do nascimento de Cristo. Disse-me que tudo o que fosse necessário a embaixada lá estaria para assegurar o nosso bem-estar e bom desempenho. A meio da dita chamada, dou conta que a conversa fluía como se estivesse a falar com um amigo. E este humanismo ligado a um Presidente da República deixa sempre o cidadão a sentir-se cidadão. Aproveitei para o convidar para a estreia da minha 2ª Sinfonia que iria decorrer no mês seguinte em Belmonte e ouvi simplesmente: “Ok. Lá estarei”. Habituado muitas vezes a ouvir Ok de políticos que acabavam em Ko fiquei, apesar do tom sincero do Presidente, com crença moderada em relação à sua eventual presença. No dia 24 de Outubro, pelas 16.50, quando preparava a entrada da Orquestra e Coro para a referida estreia, sou informado que o Presidente da República tinha acabado de entrar na Igreja. A dita sinfonia chama-se Pedro Alvares Cabral e veio-me o sentimento na altura que talvez se devesse chamar Jorge Sampaio e ter convidado o Cabral para a estreia. No final conversamos um pouco e sempre sobre a arte musical. Existem aqueles políticos que decoram o nome de duas ou três obras para depois socialmente tentarem impressionar. Jorge Sampaio talvez não conhecesse duas ou três obras. Numa outra altura, encontrava-me em Lisboa com o Projecto Zéthoven a realizar uma série de programas de TV. A meio da semana recebo uma chamada do Palácio de Belém. Era o Chefe da Casa Civil, que a pedido do Presidente, me perguntava se queríamos ir lanchar ao Palácio. Fiquei de tal maneira surpreso que reagi afirmativamente sem ter perguntado o que era o lanche. Quando informei os colegas da ACBI e os miúdos que no dia seguinte a refeição do meio da tarde era no Palácio houve alguém que disse: “Não dei conta de teres estado a beber”. E assim na tarde de quarta-feira lá fomos nós até Belém, com um Jorge Sampaio a proporcionar às crianças um dia inesquecível, levando-os a percorrer salas e gabinetes para que eles percebessem o funcionamento de um Palácio de um Presidente. Hoje adultos, ninguém esqueceu aquele momento e creio que passaram a ser mais exigentes no seu conceito do que é ser político. Na altura, vivíamos aqui na nossa cidade, uma autêntica perseguição por parte de um político, que creio eu, a história nunca ocupará o seu tempo com ele. Nessa tarde, Jorge Sampaio em entrevista para a RTP afirmou: “Qualquer Presidente de Câmara deveria apoiar este projeto porque é merecedor de tal”. Foi assim mais uma prova de que o humanismo, a honestidade intelectual, a sinceridade e a sensibilidade se sobrepunham ao pouco interessante “politicamente correto”. Luther King disse um dia que “Se um homem não descobriu nada pelo qual morreria, não está pronto para viver”. Jorge Sampaio descobriu imensas e ensinou-nos a todos como devemos estar prontos para viver.                                                                                                                                                                                                                                          

Luís Cipriano, Maestro

- 25 set, 2021