Diretor: Vitor Aleixo
Ano: XI
Nº: 587

“O Direito do Desporto está em notória expansão” Voltar

ENTREVISTA. O jovem fundanense Diogo Cerdeira, especialista em Direito do Desporto, faz parte dos quadros da Federação Portuguesa de Futebol, onde já desempenhou várias funções. Em entrevista falou do seu percurso e do que mais o entusiasma nesta área.

Jornal Fórum Covilhã (JFC) - Tirou licenciatura em Direito e rapidamente enveredou pela sua aplicação no mundo do Desporto. A que se deve essa escolha de carreira?

Diogo Cerdeira (DC) - Antes de mais, gostaria de agradecer o convite do Fórum Covilhã para esta entrevista, que muito me honra, aproveitando para congratular o jornal pelo fantástico e meritório trabalho que tem desenvolvido nesta área, em prol da nossa região. Efetivamente licenciei-me em Direito pela Universidade Nova de Lisboa, em 2016, mas, no início do curso, estava longe de imaginar que iria enveredar pela área do Direito do Desporto, que, em grande medida, desconhecia. A verdade é que sempre tive interesse pelo fenómeno desportivo, mas não foi com o propósito de me dedicar a ele que optei pelo curso de Direito. Acontece que, durante o período da Licenciatura, acabei por frequentar a cadeira de Direito do Desporto na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa – a primeira a investir nesta área em Portugal – e foi aí que comecei a descobrir alguns dos recortes desta área do Direito, que é um verdadeiro “nicho de mercado”. Nesta sequência, acabei por realizar um estágio de alguns meses no departamento jurídico da Federação Portuguesa de Futebol, que, na altura, ainda tinha sede na rua Alexandre Herculano, em Lisboa, cimentando, ainda mais, o meu interesse pela área. De um ponto de vista jurídico, o Direito do Desporto acaba por ser um domínio que, não obstante as suas reconhecidas especificidades, é dotado de ampla transversalidade, convocando diferentes áreas do Direito, o que o torna bastante apelativo.

JFC - Entretanto surgiu o mestrado em Madrid, também nessa área. Como foi a experiência de estudar fora do país e como é que esta o enriqueceu?

DC - Assim foi. Decidido a apostar nesta área, após finalizar a Licenciatura, frequentei um Mestrado em Direito do Desporto na Escuela Universitaria Real Madrid/Universidad Europea de Madrid. A nível profissional e académico, tratou-se de uma experiência verdadeiramente inesquecível, sobretudo por dois motivos. Em primeiro lugar porque me permitiu adquirir conhecimentos junto dos melhores professores e especialistas espanhóis da área. Em segundo, pelos contactos e aprendizagens adquiridas com os meus colegas de curso – oriundos de países como Espanha, Equador, Panamá, Colômbia, México, Eslovénia ou Itália – e com as suas experiências pessoais e profissionais. Para além das aulas, o Mestrado tinha uma vertente bastante prática, com a realização de várias visitas a federações desportivas espanholas e até uma visita à Suíça, onde tivemos oportunidade de conhecer as instalações da FIFA, da UEFA, do COI e do Tribunal Arbitral do Desporto de Lausanne. A nível pessoal, guardo com bastante carinho todas as amizades que fiz e, na retina, fica-me a imagem da cerimónia de final do curso, realizada no relvado do Estádio Santiago Bernabéu, que contou com a presença do, ainda, Presidente da FIFA, Gianni Infantino.

 

JFC - Que papel tem o desporto na sua vida? Como surgiu e se desenvolveu esta paixão que viria a tornar-se profissão?

DC - Devo confessar que, enquanto praticante, a minha atividade desportiva nunca foi muito para além do desporto escolar (nas modalidades de Atletismo, Andebol e Basquetebol) quando frequentava a Escola Básica Serra da Gardunha, tendo também, durante alguns anos, jogado no Clube de Basquetebol do Fundão, cidade da qual sou natural. No entanto, comecei, desde muito novo, talvez por influência de vários familiares, a acompanhar o fenómeno desportivo com particular atenção e entusiasmo, tanto a nível nacional como local, sobretudo nas modalidades do Futebol e do Futsal. De facto, sempre me interessei muito não só pela dimensão técnica e tática do desporto, mas também pela sua dimensão competitiva, por conhecer as classificações e as constituições das equipas, as listas de melhores marcadores, o palmarés dos clubes, reunindo um saber, por vezes, quase enciclopédico. Foi assim que, de alguma forma, surgiu este interesse pelo desporto. A circunstância de ter enveredado pelo Direito do Desporto fez, portanto, todo o sentido para mim, uma vez que me permitia aliar a minha formação académica àquele meu interesse.

JFC - Contou também com uma longa ligação à Associação Desportiva do Fundão. Como foi participar dessa forma mais ativa na vida de um clube? Um vínculo que certamente perdura até aos dias de hoje?

DC - Sim, durante cerca de cinco anos colaborei com a Associação Desportiva do Fundão, essencialmente, na área da gestão do seu website e redes sociais. Na altura, o clube tinha, de facto, uma presença bastante reduzida nas naquelas redes e foi precisamente nessa área que me dispus a colaborar. Julgo que lográmos desenvolver um trabalho muito interessante e o clube tem, hoje, uma presença forte no Facebook – no qual é um dos clubes com mais seguidores na 1ª Divisão – e, recentemente, até no Instagram. Foram cinco anos muito entusiasmantes, que coincidiram com alguns dos momentos mais marcantes e empolgantes da vida desportiva do clube, como a conquista da Taça de Portugal em 2014 e, no mesmo ano, a presença na final do Campeonato. Atualmente, para além de outras coisas, o Fundão é também sinónimo de Futsal e a modalidade é vivida de forma particularmente intensa no dia-a-dia da cidade. Mas esta foi, sem dúvida, uma experiência bastante importante para mim, uma vez que, apesar de estar mais afeto à área das redes sociais e comunicação, me foi permitindo conhecer vários dos problemas com os quais lidam os dirigentes desportivos no seu dia-a-dia. Essa sensibilidade parece-me fundamental para quem exerce funções ao nível do dirigismo federativo.

JFC - Entretanto surgiu a oportunidade na Federação Portuguesa de Futebol, onde já desempenhou vários cargos. Como tem sido esta experiência? Qual é a sua função na estrutura?

DC - Logo após finalizar o Mestrado em Madrid, surgiu, efetivamente, a oportunidade de trabalhar na Federação Portuguesa de Futebol, na recém-construída Cidade do Futebol. Tem sido uma experiência muito enriquecedora, que me permitiu colocar em prática, quase imediatamente, os conhecimentos que tinha vindo a adquirir durante a minha formação académica. Desde o início, estive sempre ligado à área da disciplina desportiva. Trabalhei, durante quase três anos, enquanto Instrutor da Comissão de Instrução Disciplinar. A Comissão de Instrução Disciplinar é, resumidamente, um corpo de Instrutores, ou seja, de juristas que realizam a investigação dos procedimentos disciplinares instaurados pelo Conselho de Disciplina da Federação, no âmbito das competições não profissionais organizadas pela FPF, nas quais se incluem competições tão importantes como a Taça de Portugal ou a Supertaça. Assume um papel semelhante, com as devidas distâncias, ao do Ministério Público e tem um equivalente na Liga Portuguesa de Futebol Profissional, que é a Comissão de Instrutores. A atividade disciplinar é árdua, porque impõe celeridade e eficácia nas decisões, mas fundamental para o equilíbrio das competições desportivas. Durante os últimos meses, prestei, igualmente, assessoria jurídica direta ao Conselho de Disciplina e ao seu Presidente e, muito recentemente, fui nomeado Coordenador da Comissão Instrução Disciplinar, a qual já tinha integrado enquanto Instrutor.

JFC - Entretanto mantém ligação à área editorial, com a participação numa revista da FPF e à área das formações, orientando diversos cursos e workshops. Que importância tem esta constante criação de novo conhecimento nesta área?

DC - O desporto representa, nos dias que correm, um fenómeno de amplo mediatismo e em franco crescimento, dispondo, cada vez mais, de um preponderante relevo social. Pese embora de desenvolvimento recente, o Direito do Desporto constitui, também, uma área em notória expansão. Como em qualquer área, a produção de conhecimento e a divulgação do saber são, naturalmente, fundamentais e, neste ponto, destacaria os cursos e formações promovidos por um número crescente de instituições de ensino. Neste sentido, não posso deixar de frisar o papel da Portugal Football School da FPF, que tem contribuído para formar, em tantas áreas do saber, um número muito elevado de agentes desportivos, através da realização de vários cursos e workshops de âmbito nacional e internacional. No que me diz respeito, tem sido um prazer poder partilhar o conhecimento que venho adquirindo na área da disciplina desportiva com tantas pessoas, contribuindo para esclarecer as muitas vezes tão complexas normas disciplinares desportivas. Também a Revista de Direito do Desporto – a única do mercado que se dedica especificamente ao direito desportivo – tem desempenhado um papel fulcral na produção e divulgação do conhecimento nesta área, dando conta aos seus leitores das decisões de tribunais, diplomas normativos, livros e notícias publicados a cada três meses neste âmbito.

- 05 jan, 2021
- Fernando Gil Teixeira