RECUANDO UM SÉCULO: A «GRIPE PNEUMÓNICA» NA COVILHÃ
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Com a pandemia do Coronavírus agora entre nós, com as consequências de todos conhecidas e sem que, no estado actual em que nos encontramos, possamos prever a sua erradicação total e definitiva, talvez seja oportuno trazer ao conhecimento dos covilhanenses o que se passou em Portugal e na Covilhã há cerca de um século com a eclosão do surto epidémico denominado «gripe pneumónica», também chamada «gripe espanhola». A pesquisa histórica a que procedi não deixa dúvidas sobre os efeitos nefastíssimos que causou e deixou perdurar no país e na Covilhã.
Os historiadores são unânimes acerca dos efeitos devastadores na população mundial e portuguesa. O concelho da Covilhã foi sem dúvida um dos mais atingidos, afectando sobretudo a sua população operária. Entre outros estudos levados a cabo sobre esta epidemia, de realçar o estudo de João José Cúcio Frada, intitulado «A gripe Pneumónica em Portugal Continental em 1918”, publicado entre nós em 2005. Por sua vez, Maria Emília Cordeiro Ferreira revelou que esta epidemia «foi a mais mortífera de todas, invadindo o país de norte a sul, matando famílias inteiras e causando o pânico por toda a parte…». De acordo com esta autora, entre 1918 e 1919, teria vitimado em Portugal 102750 pessoas, um número muito acima do avançado por Cúcio Frada, que assinala 60474 vítimas mortais.
A «Gripe Pneumónica», diz-nos ainda aquele autor, seria oriunda da Ásia, Estados Unidos e da própria Europa, neste último caso de regiões como Brest e Bordéus, resultando da acção de uma estirpe de Mixovírus A, altamente patogénica, a qual, associada a gravíssimas complicações respiratórias bacterianas secundárias, provocou cerca de 20 milhões de mortes em todo o Mundo. Em Portugal, esta epidemia começou a ser detectada em 1918, tendo a sua penetração em território nacional sido feita em dois surtos: o primeiro, em Julho de 1918, através de concelhos raianos da Guarda e de Castelo Branco e, no Alentejo, através de concelhos de Beja e de Évora e uma segundo onda nos meses de Agosto a Novembro do mesmo ano, altura em que se estendeu a Lisboa e Porto, provocando no país, segundo Cúcio Frada, «uma autêntica razia demográfica, com graves repercussões sociais e económicas».
Quanto à Covilhã, o estudo daquele médico revela que esta surge dramaticamente na primeira posição numa tabela de 29 concelhos do continente cuja sede era uma cidade, apresentando um índice de 2,35% de mortes devido à epidemia. Em termos absolutos, o concelho da Covilhã registou em 1918 960 óbitos «por gripe» e 136 óbitos por «pneumonia». Já em 1919, o jornal covilhanense “O Dever”, de 15 de Junho, apresentava dados congruentes com o estudo de Frada, referindo que a epidemia dizimara em 1918 «centenas de vidas e arruinou muitas famílias». Para além da cidade propriamente, muitas foram as freguesias rurais do concelho atingidas, como relatam numerosos ofícios chegados ao Administrador do Concelho e à Comissão Executiva da Câmara Municipal. A mais atingida pela epidemia terá sido o Teixoso, cujo Regedor informava em Outubro de 1918 que «com certeza um quinto da população fora atacada e estava a cair consideravelmente». Também o Tortosendo, Sobral de S. Miguel, Aldeia de Carvalho, Ferro e Boidobra foram fortemente atingidas.
No próximo artigo, veremos de que modo as famílias operárias sofreram os efeitos da epidemia e sobretudo de que modo esta foi enfrentada pela acção concertada e solidária das forças vivas da Cidade e do concelho.
- 11 ago, 2020
- António Assunção