Diretor: Vitor Aleixo
Ano: XI
Nº: 587

Irá o Governo obrigar o Fisco a cobrar impostos sobre as barragens? Voltar

Autoridade Tributária (Finanças) resolveu deixar de exigir imposto às barragens em 2016. O novo secretário de Estado obriga o fisco a cobrar-lhes impostos novamente. Depois da polémica em torno do não pagamento de impostos na venda de seis barragens pela EDP à Engie no Douro Internacional. E por cá, pela Beira e resto do país? Como está a ser sentido este problema? O que vai acontecer às barragens hidroelétricas e de rega ou mistas dispersas pelo país e pelas suas regiões? A confirmar-se a cobrança de impostos será um bónus que muito vai ajudar os orçamentos de algumas das empobrecidas autarquias. Mas será assim tão fácil obrigar as gigantes da energia a pagar sabido que elas contratam as melhores consultoras e que dispõem ainda de um batalhão de advogados a trabalhar para elas? Aconselho a não embandeirar em arco e a esperar sentado pelo desfecho do caso…

A notícia começou na sexta-feira e foi avançada pelo Correio da Manhã. O secretário de Estados dos Assuntos Fiscais, Nuno Félix, pretende emitir um despacho a obrigar a Autoridade Tributária, vulgo Finanças, a cobrar IMI sobre as barragens, e de forma retroativa aos últimos quatro anos. Como tem sido anunciado parece uma vitória das gentes do Alto Douro que, desde a venda de seis barragens pela EDP a um consórcio liderado pela francesa Engie têm vindo a alertar a população pública e a pressionar a direção-geral da Autoridade Tributária (AT), Helena Borges, para a necessidade de proceder a essa cobrança. Inclusivamente, têm vindo a ameaçar recorrer aos tribunais “para contestar o seu silêncio” e acelerar o processo.

Convém desde já referir que a cobrança de impostos e a as interpretações sobre a sua cobrança não são da responsabilidade do Governo, mas das Finanças (AT). A decisão de Nuno Félix basear-se-á num parecer do conselho consultivo da Procuradoria-Geral da República, de 2006, que refere que as barragens são do domínio privado da entidade que as explora e que devem pagar impostos.

Este assunto tem sido muito polémico e tem feito oscilar a posição da autoridade tributária. Esperemos para ver o que fará esta AT-Finanças perante o despacho do secretário de Estado.

De facto, até ao ano de 2016 o entendimento da AT era que as barragens deviam pagar IMI, mas em 2016, após uma sentença em sentido contrário do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), envolvendo a EDP, e um parecer da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), dizendo que as barragens eram bens do domínio público, resolveu acatar esta sentença e passar a assumir que estes imóveis não estão sujeitos a impostos pelo que nada têm de pagar.

Não é vulgar nem comum a AT mudar de opinião e prática em tão pouco espaço de tempo. A situação foi mesmo denunciada por algumas entidades, nomeadamente pelo Movimento Cultural Terra de Miranda (MCTM). O MCTM chegou mesmo a questionar a forma como o CAAD tinha sorteado os árbitros.

Os rankings das maiores empresas produtos de hidroeletricidade a operar em Portugal coloca em primeiro lugar, a EDP, ainda a maior produtora hidroelétrica em Portugal, em segundo a Movhera, a empresa liderada pela francesa Engie que lhe comprou as seis barragens no Douro, e em terceiro a Iberdrola que recentemente inaugurou o empreendimento hidroelétrico do Tâmega.

As barragens do Alto Douro saltaram para a ordem do dia quando, em 2020, a EDP vendeu seis empreendimentos a um consórcio liderado pela Engie, por 2 mil milhões de euros. Como foi referido mais tarde, nomeadamente pelas associações defensoras dos interesses nordestinos, e por praticamente todos os media, o negócio alegadamente não terá pago nem IMT, nem imposto do Selo, nem IRC. Os movimentos culturais e autarquias da região denunciarem o recurso a um planeamento fiscal agressivo por parte das empresas negociadoras. Acresce ainda que as barragens também não estariam sujeitas ao pagamento do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), o que terá levado os autarcas a referir indícios de favorecimento indevido à EDP e à Engie / Movhera. Tanto a DG Helena Borges como a EDP foram mesmo chamados à Assembleia da República (AR), e, inclusivamente, um funcionário do Centro de Estudos Fiscais, que integra ou integrou o Movimento Cultural, foi alvo de um processo disciplinar, depois arquivado.

Entretanto já passaram dois anos sem que a Autoridade Tributária se tenha pronunciado sobre os casos nem sobre os limites fiscais do negócio: saber se as empresas deviam ter pago IMT e Imposto do Selo, o montante em causa, e o que acontece ao pagamento ou não do IMI.

Outros pormenores curiosos são os seguintes. Por um lado, a autarquia de Miranda do Douro veio a público ameaçar avançar com uma ação contra as duas entidades públicas envolvidas na demora: a Autoridade Tributária (AT) e a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), para além da EDP. Segundo, na sequência desta notícia, avançada pelo Expresso, a Movhera / Engie retaliou suspendendo todos os apoios a entidades locais (a chamada responsabilidade social das organizações, RSO). Terceiro, mais recentemente Miranda do Douro convocou inclusive uma assembleia municipal extraordinária, que contou com deputados eleitos pelo distrito de Bragança, e com Catarina Martins, do Bloco de Esquerda, e inclusivamente com o ex-Presidente do PSD, Rui Rio, personalidades que se quiseram associar a esta iniciativa política.

Para além da falta de pagamento do IMT e do imposto de Selo, neste caso há ainda que esclarecer o problema do pagamento ou não do IMI; há que aclarar de vez, se a EDP tem ou não de pagar impostos no negócio de 2 mil milhões de euros na região nordestina. O processo segue os seus trâmites no Ministério Público com muita gente e autarquias à espera para ver qual o desfecho do caso. É que o que aqui vier a ser decidido aplicar-se-á certamente a todas as barragens produtoras de eletricidade do país, e são várias, de norte a sul de Portugal, em particular no Norte e Centro mais montanhosos e mais chuvosos do país. E o assunto pode mesmo vir a afetar outras barragens como as mistas, que produzem eletricidade e simultaneamente abastecem os diversos regadios e as casas dos mais de 10.3 milhões de consumidores. E algumas aqui bem perto que seguem esta polémica com toda a atenção. Esperemos então pelo despacho do novo Secretário de Estado Paulo Félix. E pelo fim dos vários recursos e entraves jurídicos que vão seguir-se na barra dos tribunais portugueses e até europeu de justiça. 

Mas esperemos sentados porque a procissão ainda está a sair da igreja ou do adro…

 

 

- 06 mar, 2023