Acordei mal-humorada, aborrecida, frustrada. Parecia que a vida me tinha pregado uma partida e me roubara a paciência. O Sol perdera o brilho, o céu estava carregado e as gotas, que começavam a salpicar a minha janela, pareciam agulhas acutilantes ameaçando os meus dias. As árvores, que vislumbrava da minha varanda, perderam a graça e as folhas amarelecidas revelavam um fim. Sim, era o fim do Verão, da cor, da vida…. Desvanecia-se a esperança. Tudo era cinzento e triste e a minha vida perdera a graça. Não havia razão para sair, nem motivação para sorrir.
Uma pancada, na porta, acorda-me. Uma pancada forte, dura, vigorosa. Hesito…
- Não abro – pensei. Que maçada! Não me arranjei, não quero ver ninguém. Quero lá saber!
Nova pancada, ainda mais vigorosa, fez-me reagir e fui abrir a porta, para livrar – me depressa, despachar o assunto que, fosse qual fosse, era totalmente inoportuno, naquele dia cinzento da minha vida.
À minha frente, uma senhora de meia-idade, de olhos chorosos e rosto apavorado, deixava ler um desespero inexplicável. Pediu-me para entrar. Não tive coragem de fechar a porta – aquela mulher tinha trabalhado em tempos em casa de uns amigos. Conhecia-me e parecia perturbada. Quem sabe o que ela teria para me dizer!
A mulher entrou. De rosto lavado pelas lágrimas, contou um pedaço da sua vida: o marido, com graves problemas financeiros, estava preso. O filho mais velho, tal como eu já sabia, morrera havia pouco tempo e a filha, a menina dos seus sonhos de avó, tinha-se entregue à prostituição. Nada me pediu, aquela mulher, apenas desfolhou as páginas do seu livro da vida, uma vida bem dura, que nada tinha de luz, de cor ou de esperança.
Apertou-se-me o estômago: havia pouco, tinha-me eu sentido desiludida, falhada, sem graça para pensar nem sequer, em mim…E agora, estava diante de uma mulher, que me procurava, não para pedir, mas para ser ouvida. Era um grito de angústia, o seu. Era a mulher sem companheiro, com as perdas dos filhos que a vida lhe dera para encher de flores as suas jarras e perdera-os. O Sol, mesmo que brilhasse, não podia encher de luz aquela vida. A noite, por mais estrelas que tivesse, não tornava mais belo o quintal pobre da sua casa, onde as janelas não traziam luz, onde as portas não tapavam o frio, onde as telhas do telhado não resguardavam da noite…
Esta sim, era uma vida onde a esperança não tinha cor, onde a alegria não tinha sorrisos, onde a luz não iluminava e o medo era o único que aqueles olhos mostravam, detrás dumas olheiras profundas de sono e cansaço, de uma vida sem projeto, de um presente sem futuro.
Não tinha nada que pudesse fazer. Aquela dor não tinha como remediar-se assim, como seria de supor ou desejar. A minha mente povoou-se de incertezas, de indecisões, mas o meu coração desenhou um abraço. Rodeei a criatura, da qual, mal sabia o nome. Apertei-a num forte abraço. Foi o único remédio imediato para, mais do que atenuar uma dor, partilhá-la no sentido de a tornar menos pesada.
A minha conclusão, à noite, ao deitar-me era clara: há uma realidade indiscutível e a minha carga pode tornar-se mais leve, se reconhecer, à minha volta, dores maiores, razões bem mais fortes para sofrer. É nesse dar que descubro a alegria de aliviar fardos, bem mais pesados que o meu. É aí que descubro o regozijo da partilha e encontro uma razão para viver.