Diretor: Vitor Aleixo
Ano: XI
Nº: 587

Reflexões para o ano novo Voltar

Para 2023 perfilam-se os desejos de saúde, felicidade e paz e, no âmbito de todos os sonhos, o bom para as nossas vidas, para que as ambições de cada um possam ser concretizadas.

É também o tempo de se fazerem retrospetivas do que se passou no ano findo. Entre o celebrar sucessos e o analisar os desaires.

O ano de 2022 foi marcado pela inesperada invasão da Ucrânia pela Rússia, “juntando um novo ‘cisne negro’ (segundo Paulo Vaz, do Vida Económica), a um outro que ainda não desapareceu, o qual acabou por ser secundarizado, a pandemia”. Ou seja, uma crise depois de uma outra crise. Também a reeleição de Xi Jinping para a liderança da China não surpreendeu, até porque foi uma trama há muito preparada que iria dar lugar ao endurecimento do regime cada vez mais controlado pelo Partido Comunista Chinês. Este ditador não hesitou em usar a “política de Covid zero” para tolher a liberdade dos seus cidadãos, esmagando qualquer resistência ou contestação que pudesse surgir.

Noutros quadrantes geográficos e políticos, há que realçar o desaparecimento da Rainha Isabel II, que marca o fim de uma era. Também a eleição de Lula da Silva, que vai governar o Brasil dividido. Os falecimentos do “Rei” Pelé e do Papa emérito Bento XVI, este no último dia do ano.

Destaco em Portugal, os 50 anos da Vigília pela Paz, na Capela do Rato, em Lisboa, onde aconteceu o sobressalto, nos dias 30 e 31 de dezembro de 1972, com a ditadura a não esconder o seu incómodo. A Capela do Rato foi o momento decisivo de desafeto de setores que estavam no meio da ponte na crítica ao regime, gente que já tinha entre os seus familiares ou amigos mortos na guerra colonial. Foram presos os Padres Janela e Armando Garcia que ali iam celebrar o culto. Era capelão e responsável pela capela o fundanense, do Souto da Casa, Padre Alberto Neto. Encontrando-se doente com uma pneumonia, não pôde celebrar a missa. Fez no entanto saber que, embora não tivesse conhecimento da iniciativa, não se opunha a ela. Este sacerdote acabaria por ser assassinado em 6 de julho de 1987, à beira da EN5, em Águas de Moura, perto de Setúbal, no meio do mato, cujo autor do crime nunca foi capturado ou sequer identificado.

António Costa voltou a ser reeleito Primeiro-Ministro. O seu governo foi afetado por casos e escândalos sucessivos, com demissões no seu governo que atingiram o número recorde de uma dúzia até ao momento em que escrevo esta crónica.

Neste contexto de tantas demissões e novas nomeações faz-me recordar quando, no verão de 1975, encontrando-me de férias em São Pedro de Muel, ter lido no então recém-fundado (e já extinto) Jornal Novo, por Artur Portela Filho (falecido aos 83 anos, em Abrantes, em 10 de novembro de 2020, vítima de pneumonia e covid 19), o mesmo narrar, duma forma humorística, como surgiam então os governos em catadupa. Eram tantas as respetivas nomeações e demissões de ministros e secretários de Estado. Simulou os ministérios no último andar de um prédio de muitos pisos, onde começavam a trabalhar os novos governantes. Os seus tempos de duração de funções era o decorrido do términos dos seus trabalhos e o regresso ao mesmo local, no dia seguinte, onde iam deparar-se em encontrar já outros nos seus lugares. Foi de facto o período pós 25 de Abril, que teve seis governos provisórios até ao 1º governo constitucional, em 23 de julho de 1976.

Verifica-se uma oposição que reclama, reclama, mas também não apresenta alternativas. É inconcebível.

Também o Presidente da República poderia ser mais incisivo junto da maioria absoluta dos socialistas, para que casos como os que lamentavelmente surgiram em redor da TAP, não viessem a ridicularizar a governação, como o aberrante caso de Alexandra Reis, ex-Secretária de Estado do Tesouro. Onde está a necessária fiscalização política ao Governo? Isto tem sido sobejamente debatido e ainda vai durar mais algum tempo. Razão teve João Miguel Tavares, com o título dado a um seu artigo no Público, sobre este famigerado acontecimento – “O caso Alexandra Reis: isto é gozar com quem trabalha”.

E, para terminar, porquanto muito ainda haveria para dizer sobre o ficar em apuros ou o viver à barba longa, não esquecer que a triste campanha da seleção de futebol no Campeonato do Mundo no Qatar pode ser oferecida como uma metáfora do país: matéria-prima de boa qualidade, talento desaproveitado e liderança sem projeto ou ambição, jogando sempre na retranca, condicionada por personalidades com um ego e ambição pessoal superior ao coletivo.

Temos de olhar em frente para este novo ano, pois a única coisa que podemos esperar é a continuidade da incerteza que vivemos e que, com tempo, se pode tornar ainda mais inquietante, o que não desejamos. Há que ter fé, e “Falar a verdade aos Portugueses” como referiu perentoriamente o falecido Henrique Medina Carreira, que foi Ministro das Finanças no I Governo Constitucional.

- 24 jan, 2023