Chovia fortemente. Direi melhor, nevava, pois, a chuva misturada com flocos de neve, encharcava as roupas e ameaçava os ossos.
Era véspera de Natal. Numa correria para as lojas, havia filas e filas de gente que se acotovelava, sem ter tempo de parar… Sem ter tempo, pois a consoada aproximava-se e o frio e os flocos de neve não permitiam paragens.
No céu, as estrelas não se vislumbravam, como é natural, mas João, um pobre cego, que morava numa das entradas do Centro Comercial, “via” uma estrela… A mais bela e mais brilhante estrela que os seus olhos, fechados para o mundo, jamais “viram”. O coração do pobre cego bateu mais forte ao lembrar – se que tinha sido uma estrela que guiara os pastores e os reis que, lá muito longe no tempo e no espaço, encontraram o Menino Jesus numa pobre cabana de Belém.
Na sua pureza e luz interior, João sentiu muito forte o calor do presépio.
Sempre se encantava quando, na sua infância e ainda com a visão total, olhava a cabana e observava a beleza celeste daquela família que o enlevava. A pachorrenta vaquinha e o manso burrinho faziam-lhe chegar aos ouvidos o tilintar bucólico dos campos e o cheiro adocicado das flores do seu jardim, onde as abelhas buscavam os néctares e os pólenes para fabricarem o mel. O sono tranquilo do Menino e os sorrisos carinhosos de José e Maria transformavam aquele quadro na mais bela recordação infantil.
A magia da noite santa de Natal e o cheiro a filhós não apagariam nunca do seu coração a alegria do convívio familiar e o sonho de que o Menino descia levemente a todas as chaminés.
Nesta recordação inebriante, João sorria, completamente fora da confusão do espaço envolvente, abstraído completamente do vaivém de toda aquela gente, em correria louca. Era a sociedade consumista, que já não o via, nem mesmo o ouvia, a ele, que sempre ali esperava o último pedaço de bolo ou umas meias quentes para amornar os pés.
A tarde foi caindo e o silêncio voltou, como todos os dias. Percebeu que todos tinham já saído, mas ele continuava a “ver” aquela estrela que brilhava, tão fortemente…
De súbito ouviu um barulho… Como que um motor junto dele…
João sentiu-se como que elevado, enquanto uma voz carinhosa lhe dizia baixinho:
- João, João, vamos comer uma sopinha quente, não queres?
- Quero, quero…. Oh! Uma sopinha…. Então não quero?
E o grupo que recolhia os sem–abrigo, ajudou João na subida para a carrinha.
A casa – abrigo, onde todos eram esperados, acolhia João, como a tantos outros, naquela noite fria e doce.
Mas os olhos sem luz do mendigo “seguiam” a estrela que brilhava, agora mais ainda… João sentiu o seu coração bater muito forte e penetrar na alegria dos anjos que, junto à cabana do presépio, entoavam cânticos belos… O Menino sorria - lhe, como sempre, e estendia-lhe a sua mãozinha branca e leve…