Diretor: Vitor Aleixo
Ano: XI
Nº: 587

É urgente agir para revitalizar o SNS Voltar

Quando foi concebido e criado o Serviço Nacional de Saúde (SNS), nos anos 70 do Séc. XX, facto considerado como uma das grandes conquistas da revolução de Abril, Portugal apresentava uma realidade sociodemográfica e económica muito diferente da que temos atualmente: era um país com um índice demográfico jovem, com uma taxa de mortalidade elevada, uma significativa mortalidade materno-infantil e com uma escassa cobertura de cuidados de saúde básicos. O SNS foi criado para responder a estes indicadores e aos quais conseguiu corresponder e a verdade é que, durante há mais de quatro décadas, tem garantido o acesso generalizado da população aos cuidados de saúde e, ainda nestes últimos dois anos se mostrou indispensável no combate à pandemia COVID19 e mesmo perante todas as suas imperfeições, com a Lei de Bases da Saúde que temos, os indicadores de saúde dos portugueses têm continuadamente melhorado desde 1990. Mas a verdade é que a estrutura da sociedade se alterou e o SNS que dava resposta às famílias jovens e às necessidades episódicas, agora tem uma população envelhecida, detentora de múltiplos problemas de saúde, que necessitam de diferentes e múltiplos serviços de saúde, com proximidade e numa perspetiva de serviços de continuidade. Por estes e outros fatores, sabemos que o SNS se encontra a atravessar por um momento crítico e apresenta-nos o melhor e o pior da saúde em Portugal, seja pela capacidade diferenciada de responder aos mais complexos atos de saúde e o acesso a todos os cidadãos, seja pela carência de recursos humanos médicos para nele trabalharem ou pelas excessivas listas de espera que evidenciam a falha no cumprimento dos objetivos propostos na Lei que garantia o acesso aos cuidados de saúde através da definição dos tempos máximos de espera garantidos, recorrendo à articulação com entidades privadas da saúde. Também a política de recursos humanos que tem vindo a ser implementada no SNS, esvaziada de uma política das profissões e geradora de profissionais descontentes e desmotivados, com degradação das condições de trabalho (remuneratórias e não só), manifesta redução para níveis impensáveis da contratação de pessoal, desencadearam uma quebra do capital humano. Todos estes fatores atrás mencionados têm vindo, sobretudo nos últimos 15 a 20 anos, a degradar de uma forma gradativa o SNS e a falta de perceção e estratégia concertada não tem ajudado a que se observem melhorias, mas sim evidencia-se uma situação atual mais ou menos caótica, onde existe a perceção de que o SNS não funciona, que os profissionais estão desmotivados e procuram outras empresas onde trabalhar e onde os utentes estão descontentes e procuram alternativas (No indicador de satisfação da população em relação à existência de serviços de saúde de qualidade, Portugal está abaixo da média da OCDE com apenas 7% das pessoas satisfeitas). Esta conjuntura vai, sem dúvida, também alimentando o sistema privado que vai crescendo sem qualquer regulação, numa mistura que se vê descoordenada entre o público, privado e social e onde vão ser os pobres, perante ausência de alternativas, os mais prejudicados no sistema, ou seja, deixando desprotegidas várias faixas da população. Por tudo isto, está na hora de olhar para esta realidade seriamente e agir para se repensar e salvar o SNS. Para tal, é necessário valorizar o capital humano através de remunerar a qualidade, recompensar as boas práticas, promover e apoiar investigação e reconhecer o trabalho diferenciado através da sua valorização. Sendo, por isso essenciais a qualificação dos recursos humanos, a sua satisfação, a clara definição das carreiras profissionais e remunerações adequadas das várias categorias profissionais. A par, é necessário um planeamento estratégico integrado e um financiamento adequado, ser modernizado estruturalmente, enfatizar a equidade, a clarificação de responsabilidades do SNS enquanto financiador e prestador, a definição clara de fronteiras entre público, privado e social numa articulação concertada e de complementaridade, a gestão das instituições do SNS preconizada por gestores qualificados e a centralidade do cidadão no sistema de saúde através da sua corresponsabilização e do enfoque na literacia em saúde das populações em todas as faixas etárias; bem como, melhorar-se as questões relacionais e comunicacionais entre profissionais e utentes, criar serviços de proximidade e ajustados à realidade contextual e demográfica, sendo fundamental descentralizar a saúde, parecendo serem todas estas as premissas necessárias para ter um SNS forte, eficiente, competitivo, humanizante, que ofereça conforto e rapidez. Haja vontade, compromisso e seriedade de todos os setores envolvidos para que possa o SNS ser revitalizado.

- 15 jul, 2022