Diretor: Vitor Aleixo
Ano: XI
Nº: 587

Descentralização: Temos que andar mais depressa! Voltar

Em Portugal as relações entre a administração central e local não foram, ao longo dos tempos, pautadas por uma constante ao nível da cooperação e entendimento linear. O processo foi sempre difícil. Entre avanços lentos e lagos de águas paradas as relações foram sempre marcadas por tensões e muito “esticar de corda”. As razões da tipificação dessa relação são muitas mas não cabem neste artigo. Apesar das dificuldades de entendimento que sempre existiram, nomeadamente ao nível da transferência de competências da administração central para a local sem a devida e correspondente transferência de verbas e outros meios, todos percebem que, na ausência de regiões administrativas e da reforma do Estado, a descentralização tem que andar mais depressa. Neste quadro todos reconhecem que as autarquias locais são a estrutura fundamental para a gestão de serviços públicos numa dimensão de proximidade e numa perspectiva de concretização dos princípios da subsidiariedade, da descentralização administrativa e da autonomia do poder local.

Apesar do reconhecimento geral desta capacidade de gestão de proximidade que os municípios possuem o processo de transferência de competências tem sido demasiado lento, fastidioso e excessivamente burocratizado. Num país de risco ao meio e com uma parte do território em processo de desertificação galopante todos esperamos que este processo seja mais célere para que as autarquias locais, sobretudo as da geografia da interioridade, tenham mais competências e recursos humanos e financeiros para combaterem a desertificação em curso que não tem dado tréguas pelo menos a uma parte muito significativa do nosso país. As circunstâncias de cada momento são isso mesmo, circunstâncias. E o estado central não pode, com a rapidez que se exige, transferir competências e meios adequados, nomeadamente quando ainda estamos mergulhados na saída (que nunca mais acaba) de uma pandemia e com os efeitos directos e indirectos de uma guerra que não devia estar a acontecer.

Admite-se que o processo não seja fácil. Mas, também sabemos que o processo de descentralização nunca foi fácil desde sempre. O estado é demasiado centralista, concentrando poder em Lisboa que seria exercido com mais eficácia se bem distribuído por todos os que se encontram próximos das pessoas e dos problemas dos seus territórios. O municipalismo é uma força que deve ser preservada e estimulada. Só por essa via se pode combater o centralismo que promove investimentos e meios à volta de um espaço delimitado deixando o resto do país, com parcos recursos, à mercê de tudo e de todos os ventos e tempestades. Os resultados estão à vista de todos. Temos um país em desequilíbrio, com uma parte com grande concentração de gente, de recursos e meios e outra, de grande dimensão, sem gente e com quase nada. O problema desta fotografia não é agora. É de sempre. Mas é agora que tem que ser resolvido. É agora, nesta nesga de tempo, entre a tentativa de reversão do deserto e da devolução da esperança para os territórios da interioridade ou o ponto de não retorno. Se chegarmos aí esta discussão interminável sobre a transferência de competências deixará de fazer sentido. Nesse momento o estado poderá assumir com tranquilidade toda a sua ancestral centralidade porque não restará mais nada para além de Vila Franca de Xira para tratar. O orçamento geral do estado tem que acomodar as necessidades de todo o território e alocar mais meios para o reforço efetivo da capacitação das autarquias para enfrentarem os problemas que todos os dias surgem a uma velocidade cada vez mais intensa e frenética. Neste contexto também devemos olhar para o país e para o sistema democrático em que ele assenta para promovermos, com o envolvimento de todos, uma verdadeira reforma do Estado em todos os seus sectores e patamares. A discussão da descentralização de competências para o reforço do municipalismo não deve ser tratada como se se tratasse de uma luta partidária ou de uma escalada de egos. O que importa é o país, todo, do norte ao sul, do litoral ao interior e, naturalmente, extensivo às regiões autónomas. Precisamos de avanços rápidos, de pragmatismo que faça recuperar o tempo perdido. As populações e o país precisam das soluções que estão encontradas há muito mas que não saem do papel. A realidade, urgente, não espera por nada nem ninguém. Por isso, temos que andar mais depressa.

- 01 jul, 2022