Diretor: Vitor Aleixo
Ano: XI
Nº: 587

Figuras e factos da Covilhã e região na história de Portugal Voltar

Tendo por base a obra “365 Dias com histórias da História de Portugal”, de Luís Almeida Martins, achei oportuno registar algumas dessas Figuras e Factos com que os Covilhanenses, ou Homens da Região Beirã, ficaram retratados nas memórias da nossa História.

Por falta de espaço, várias figuras e factos tiveram que aqui ser omitidas.

Muito me tarda o meu amigo na Guarda – Um dos mais belos poemas medievais portugueses está relacionado com a grande paixão do rei D. Sancho I.

  1. Sancho I foi pai de 19 filhos, contando os legítimos (nascidos do ventre de Dulce de Aragão) e os ilegítimos, tidos sobretudo de duas amantes conhecidas: Maria Pais Ribeira, uma linda fidalga de cabelos dourados conhecida por Ribeirinha, e Maria Aires de Fornelos. Uma célebre e belíssima cantiga de amigo da suposta autoria de D. Sancho alude aos seus amores com a Ribeirinha: “Ai eu coitada! /Como vivo em grão cuidado/ Por meu amigo que hei alongado. / Muito me tarda/O meu amigo na Guarda! / Ai eu coitada! / Como vivo em grão desejo / Por meu amigo que tarda e não vejo! / Muito me tarda/ O meu amigo na Guarda!”.

O milagre das rosas – Na estrada Guarda-Lamego, em A-de-Barros, existe um solar do qual se conta que foi onde D. Dinis e a Rainha Santa passaram a noite de núpcias. Como o casamento em questão ocorreu em finais do século XIII e a construção de granito data do século XVII, a impossibilidade de o casal ali ter pernoitado é manifesta. Mas a crença atesta a popularidade do casal D. Dinis e D. Isabel – uma popularidade que tem resistido bem ao desgaste de 800 anos.

Não deve haver português adulto que desconheça o “milagre das rosas”. Segundo essa lenda, a rainha saiu numa manhã de inverno do Castelo do Sabugal, onde na altura se encontrava com o marido, levando embrulhado nas vestes pães para distribuir aos pobres. Eis senão quando surgiu D. Dinis e lhe perguntou, de sobrolho carregado, o que levava no regaço. “São rosas, senhor”, respondeu D. Isabel. Desconfiado, o rei voltou à carga: “Rosas no inverno?!...”. A rainha abriu então o regaço e mostrou ao marido o que ali estava: rosas, em vez de pães.

Escolhida pelo rei português D. Dinis, de entre um lote de possíveis candidatas, como a esposa ideal, casou com ele por procuração em Barcelona quando tinha apenas 12 anos, e o marido 21. Só se conheceram pessoalmente quatro meses depois, no dia em que D. Dinis a foi esperar à raia de Beira e se celebrou a boda em Trancoso. Mas, atendendo à idade da noiva, pode não ter havido noite de núpcias, nem nesta vila nem na A-de-Barros da crença local.

A viagem maravilhosa – Poucos portugueses tiveram uma existência tão aventurosa como Pêro da Covilhã. Aí por 1468, um castelhano que se deslocara à Covilhã para comprar tecidos de lã deixou-se impressionar pela desenvoltura do jovem Pêro e convidou-o para entrar ao serviço do seu amo. O rapaz, com uns 18 anos, partiu para Sevilha, onde se tornou espadachim de D. Juan de Guzmán, irmão do duque de Medina-Sidónia. Pouco depois Pêro acompanhou a Lisboa D. Juan, que aqui vinha avistar-se com D. Afonso V. Foi a vez de este rei português muito interessado nos assuntos de Castela, cuja coroa ambicionava, engraçar com os modos de Pêro e arranjar forma de o tomar ao seu serviço. Com cerca de 24 anos, Pêro esteve ao lado de D. Afonso V, como escudeiro, na desastrosa batalha de Toro e, em seguida, acompanhou-o a França, onde o rei português foi recebido por Luís XI em Tours.

Quando D. João II subiu ao trono, Pêro da Covilhã passou a servir o novo rei. Mais lúcido e prático do que o pai, o Príncipe Perfeito aproveitou os dotes deste homem de confiança para missões delicadas que exigiam grande inteligência e não menor dedicação. Espião ao serviço do soberano, Pêro conseguiu identificar alguns poderosos que conspiravam contra a Coroa, como o duque de Viseu e o bispo de Évora. Poliglota, seria seguidamente incumbido de negociar tratados com dois reis berberes de Marrocos.

Em 1478, quando já ia a caminho dos 40 anos, foi finalmente incumbido por D. João II de fazer a longa viagem que o celebrizaria. No âmbito dos preparativos da descoberta do caminho marítimo para a Índia, consistia esta em tentar alcançar o Indostão por terra e trazer informações úteis sobre o cobiçado país das especiarias. De caminho, informar-se-ia acerca do misterioso reino cristão do Preste João.

Pêro da Covilhã partiu acompanhado de Afonso de Paiva. Disfarçados de mercadores, seguiram por terra até Barcelona, onde embarcaram para o Egito, com escala em Nápoles e Rodes. Juntando-se a uma caravana, disfarçados de mercadores árabes, atravessaram a Arábia passando por Medina e Meca (onde rezaram como muçulmanos), e em Adem separaram-se, combinando encontro para daí a três anos à porta da cidadela do Cairo. Paiva fletiu então para a Etiópia e Pero da Covilhã embarcou para a Índia, onde obteve informações que viriam a ser de grande utilidade para Vasco da Gama.

A primeira portuguesa que votou – Maior de idade, médica e chefe de família, Carolina Ângelo pôde eleger a Constituinte de 1911, mas a lei não tardaria a ser revista para impedir o acesso das mulheres aos cadernos eleitorais.

Quando o presidente da mesa de voto chamou pelo seu nome, a jovem eleitora de 33 anos vestida pesadamente de negro e com fios de ouro ao pescoço avançou com passo decidido. Entregou o boletim de voto e quando este entrou na urna todos os presentes irromperam numa salva de palmas. Nessa manhã de 28 de maio de 1911, data da eleição da Assembleia Constituinte da I República, Carolina Beatriz Ângelo, uma das primeiras médicas que houve em Portugal, fora a primeira mulher a votar no nosso País. Nascida na Guarda em 1878, concluíra o curso da Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa em 1902, ano em que se casou com o seu primo Januário Barreto (natural de Aldeia do Souto – Covilhã), também médico, ativista republicano. Foi a primeira mulher portuguesa a operar no Hospital de São José, antes de se dedicar à especialidade de Ginecologia. Iniciou-se em 1906 na militância cívica, aderindo ao comité português da associação francesa La Paix et Désermement par les Femmes e à loja maçónica Humanidade e fundando nos anos seguintes a Liga Republicana das Mulheres Portuguesas e a Associação de Propaganda Feminista (com Ana de Castro Osório).

Nas asas da Revolução – Revolucionário romântico, Palma Inácio foi o homem que melhor personificou a luta armada contra a ditadura de Salazar e Caetano.

Foi em 1962 que desencadeou a primeira das espetaculares ações políticas que o tornaram numa lenda: o sequestro do Super Constellation da TAP da carreira Casablanca- Lisboa, utilizado para o lançamento de panfletos “subversivos” sobre Lisboa e o Sul do País.

Em finais de 1966 regressou à Europa para se dedicar por inteiro à luta antissalazarista. Em maio de 1967 comanda o famoso assalto à agência da Figueira da Foz do Banco de Portugal, destinado à obtenção de fundos para prosseguir a luta revolucionária. Mas ainda nesse ano foi detido em Paris, a pedido de Salazar. Um tribunal francês decidiria, porém, que o delito de que o acusavam era político, e pô-lo-ia em liberdade.

No ano seguinte fracassava a projetada ocupação da Covilhã por um comando revolucionário. Encarcerado no Porto, evadiu-se num intervalo do julgamento. Quando atravessava a Espanha a caminho de França seria novamente preso e uma vez mais em tribunal se oporia à extradição. Em 1973, de regresso a Lisboa e à clandestinidade após uma estada em Roma, voltou a ser preso quando preparava a sabotagem dos computadores de vários ministérios.

Definitivamente libertado de Caxias em 25 de Abril de 1974, foi eleito secretário-geral da LUAR no primeiro congresso da organização efetuado em liberdade, durante o qual prestou contas do dinheiro retirado sete anos antes dos cofres do Banco de Portugal.

 

 

João Jesus Nunes, Escritor

- 17 jun, 2022