Diretor: Vitor Aleixo
Ano: XI
Nº: 587

O risco de uma Guerra Nuclear Voltar

Com o evoluir da guerra na Ucrânia e com o seu prolongamento sem fim à vista, vão-se acumulando as tomadas de posição veiculadas não só por especialistas militares mas também por cientistas de vários quadrantes que têm vindo a alertar para os riscos e perigos de um conflito nuclear, cuja amplitude não é previsível, embora os seus efeitos, regionais ou mesmo globais, sejam inegáveis.

Nos últimos dias de Maio, com efeito, saíram a público artigos da autoria de cientistas, investigadores e pensadores do Centro para o Estudo do Risco Existencial da Universidade de Cambridge – CSER – nos quais se alertava a opinião pública para a «ameaça nuclear da Rússia», a qual poria em risco a existência da Humanidade e de toda a vida no Planeta. Um desses cientistas é Paul Ingram, gerente do Programa Académico e Pesquisa Sénior do CSER. Um outro artigo, igualmente muito relevante, veio de Peônia Hirwani, também ela membro daquele Centro, no qual expõe com horripilante realismo as «Consequências de uma Guerra Nuclear», as quais «seriam mais devastadoras do que Hiroshima, Nagasáki e Chernobyl juntas». Além destes, vários outros artigos foram publicados por autores membros do CSER. Pela sua importância e actualidade, centremo-nos no texto de Paul Ingram.

Intitulado “A Ameaça Nuclear da Rússia põe em risco a todos nós”, a tese central do artigo de Ingram é clara: nela se reconhece sem hesitações e com toda a frontalidade que «a Ucrânia merece o nosso apoio e a Rússia a nossa condenação». Contudo, o autor não deixa de avisar que «temos também de considerar como a Rússia está percebendo a guerra e até que ponto ela veria a derrota como uma ameaça a existencial».

O pior nesta equação político-militar consiste em prever se e quando Putin vê a perspetiva de uma derrota como uma ameaça existencial. De acordo com Hovril Haisner, diretor de Inteligência Nacional dos Estados Unidos da América, o presidente russo estará a aumentar o potencial de ver a perspetiva de derrota como uma ameaça existencial. O que, segundo Paul Ingram, pode conduzir então «a algo tão devastador como uma guerra nuclear», motivo óbvio de alarme global.

Acresce que, ao nível da opinião pública norte-americana, uma pesquisa realizada em Março de 2022 revelou que 69% dos adultos daquele país disseram estar preocupados que a invasão russa da Ucrânia conduza a uma guerra nuclear. Perante este possível – provável? – cenário, o que poderemos fazer? – interroga Paul Ingram no seu artigo. Pouco? Nada? Segundo aquele cientista, esta não pode ser a equação para a saída desta crise gravíssima que, no limite, poderá arrastar a humanidade para a catástrofe. «Precisamos de pressionar os nossos representantes eleitos para evitar uma escalada séria», salienta Ingram. E: «Precisamos atrair os russos para a negociação e estar preparados para um compromisso». Com Putin? Fazendo inclusive com que a Ucrânia aceite fazer cedências territoriais ao invasor/agressor, como já alvitrou Henry Kissinger numa recente entrevista? Deixar que a guerra prossiga o seu curso até a uma (possível) derrota final da Federação Russa? E como iria então Putin reagir em tal situação de desesperado e derrotado?

Trata-se de uma verdadeira equação complexa, cujas variáveis se chocam e entrechocam entre si. Paul Ingram não deixa de assinalar, a propósito do deslaçar de tal “puzzle” político-militar, «uma singular falta de liderança, compromisso e imaginação quando se trata de encontrar soluções diplomáticas», por parte das elites políticas ocidentais, uma realidade que, segundo ele, precisa, urgentemente, de mudar. Se queremos evitar o desastre criado pelo autocrata acoitado no Kremlin.

 

 

António Assunção, Professor

- 17 jun, 2022