Desafios para uma boa governança local
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A gestão e a administração autárquica constituem-se, hoje, como uma relevante dimensão da atividade administrativa geral, seja por via da proximidade dos seus destinatários, seja pela legitimidade democrática conferida pelas respetivas populações aos diversos titulares dos órgãos autárquicos.
Decorrente da evolução prática da administração pública, sobretudo com as reformas do início dos anos 80 com a adoção de práticas da gestão privada no seio da administração pública, movimento que ficou conhecido por Nova Gestão Pública, tem-se vindo a assistir a uma alteração da estrutura burocrática tradicional e hierarquizada, para uma melhor utilização dos mercados, quase-mercados e redes, permitindo uma melhor prestação dos serviços públicos. O conceito de governança evoluiu tendo em conta o contexto e, ao nível local, encontramos o conceito de governança territorial definida como o processo de organização e coordenação de atores para desenvolver o capital territorial de forma não destrutiva, para melhorar a coesão territorial em diferentes níveis. A nova governança requer um conjunto de capacidades e competências, como a negociação, a persuasão e a colaboração. Os governos locais passam a gerir novos arranjos interativos que incluem, por exemplo, parcerias, redes de governação de geometria variável e parcerias público privadas, entre outros.
Os municípios, e em menor grau, as freguesias, são organizações complexas do ponto de vista da gestão, pela diversidade e complexidade das atividades que desenvolvem e dos bens públicos que entregam aos cidadãos, assegurando à coletividade as correspondentes prestações ou vantagens que, numa sociedade moderna, constituem, a par da atividade de fomento e de regulação, uma das principais missões dos poderes públicos.
É comumente aceite que o poder local democrático, uma conquista saída de abril, permitiu a territorialização de diversas políticas públicas com grande impacto na vida dos portugueses. Governar localmente sobre os problemas concretos dos cidadãos, cujo conhecimento é alheio ao poder central, é uma importante forma de aproximar os eleitos dos governados, o poder mais próximo dos cidadãos. Mancur Olson, defende que se uma jurisdição política e área de benefício se sobrepõem, o problema de free-rider (aquele em que um ou mais agentes económicos acabam por usufruir de um determinado benefício proveniente de um bem, sem que tenha havido uma contribuição para a obtenção de tal) é superado e o benefício marginal é igual ao custo marginal de produção, garantindo assim uma ótima provisão de serviços públicos.
A concretização da descentralização de competências, quer por transferência, quer por delegação, prossegue os mesmos objetivos: promoção da coesão territorial, reforço da solidariedade inter-regional, melhoria da qualidade dos serviços prestados e a racionalização dos recursos públicos. Mas exige também a descentralização financeira para este nível de poder, o que não se está a verificar no processo em curso, o que tem vindo a inquinar a reforma.
O desafio é imenso, mais competências equivalem a um crescimento das responsabilidades e a um crescente grau de transparecia não gestão autárquica, mas o caminho é longo e sinuoso.
A justificação para a descentralização assenta na perspetiva de que os governos locais têm tendência a ser mais eficientes, mais responsáveis, e a ter maior capacidade de gestão e autonomia. George Stigler defende e justifica a governança local - entendida como a capacidade de atores públicos e privados para construir um consenso organizacional para definir objetivos e tarefas comuns, acordar o contributo de cada parceiro e aceitar uma visão comum para o seu território -, com base em dois princípios: quanto mais próximo for um governo representativo para as pessoas, melhor será o seu trabalho e, por outro lado, as pessoas devem ter o direito de votar pelo tipo, quantidade e qualidade dos serviços públicos que desejam.
Por outro lado, a promoção do desenvolvimento local é um fatot fundamental para o bem-estar social e económico dos cidadãos, tornando-se uma prioridade cada vez mais evidente do país, de forma a garantir uma harmoniosa distribuição da riqueza e do rendimento, para a sustentabilidade do território, a promoção social e política dos cidadãos e para uma maior cidadania.
As novas condições resultantes da governança e da sua influência na promoção do desenvolvimento local, proporcionam às autarquias locais um conjunto de desafios que, em geral, permitirão um desenvolvimento mais sustentado, a obtenção de sinergias e de economias de escala e a satisfação das necessidades coletivas e do bem-estar dos cidadãos de formas mais eficiente, eficaz e económica.
De uma grande panóplia de oportunidades, elenco por economia de espaço, apenas três desafios centrais: i) a partilha dos processos de decisão com os cidadãos, promovendo a cidadania, a participação ativa e o estímulo da inovação e da criatividade dos munícipes e da sociedade civil, através de novos modelos de governança interativa e colaborativa; ii) permitir o acesso ilimitado e sem custos às novas tecnologias com enfoque na disponibilidade de rede wi-fi universal e sem custos, sobretudo em espaço público, entendendo-se aquele serviço como um bem público de satisfação geral; iii) a diplomacia económica, pela qual as autarquias podem criar mecanismos de investimento, inovação e empreendedorismo local, com recurso a parcerias com o setor privado, nacional e até internacional.
Como palavras-chave na bússola de uma gestão autárquica com visão de futuro, não podem deixar de figurar a inovação, a sociedade do conhecimento, o desenvolvimento sustentável, potenciem humano e coesão social, cultura e património e coesão territorial e desenvolvimento equilibrado.
Carlos Jerónimo, Presidente BV Fundão