Diretor: Vitor Aleixo
Ano: XI
Nº: 587

Invocação à Liberdade Voltar

Querida Liberdade

No passado dia 25 de Abril, fez quarenta e oito anos que tu, querida Liberdade, deixaste o Exílio de quarenta e oito anos, para o qual foste relegada por um regime político hediondo, desumano, triste, frequentemente lacrimoso e sempre mentiroso, que humilhou e oprimiu todo um Povo, milhões de mulheres e de homens generosos, laboriosos, que te amavam, ò Liberdade, e que, nem mesmo estando tu no Exílio, te esqueceram, antes nunca deixaram de lutar pelo teu regresso, trazida numa nau, num poema, num cravo ou noutra flor,  ou até, porque não, no bico de uma cegonha. Lutaram por tudo isso, Liberdade, apesar das amarras da Censura, da promoção do esquecimento e da mentira, do condicionamento beato e falso dos espíritos, da ameaça, da prisão, do exílio e até da morte. Sim, muitos e muitas pereceram levando consigo a dor amortalhada em tantos sonhos ainda por realizar, os sonhos do teu regresso, para que voltasses a ser nossa, ò Liberdade.

Há quarenta e oito anos, portanto, estás de novo entre nós. Naqueles dias de há quarenta e oito anos, encontrando-me eu num dos cenários da Guerra Colonial (recordo-o como se fosse ontem ou há umas horas ou minutos ),  fui possuído de uma profusão de sentimentos onde se misturavam a dúvida, o espanto, a hesitação, ainda o medo, mas sobretudo, depois de em breve tempo ter caído em mim, a alegria, esse sentimento indizível, ò Liberdade,  que só atinge aqueles que te amam. Uma alegria feita de bebedeiras de azul… Recordo-me de  alguns dos meus companheiros me  terem prometido, com a palavra de honra que muito me sossegou, que a partir dali, daquele dia 25, daqueles acontecimentos que te trouxeram enfim daquele exílio, já nada voltaria a ser como dantes. Deixa-me confessar-te e não me censures por isso, ò Liberdade, que naquele cenário de guerra onde me encontrava a mando do homem do poder, arrecadámos as armas nos armeiros, acendemos fogueiras, bebemos vinho até à bebedeira com os copos passando de mão em mão, tocou-se guitarra, ouvimos violas, dançámos e chorámos como crianças, abraçámos aqueles que nos diziam serem os nossos inimigos. E tudo isso, só por uma causa: tu tinhas, querida Liberdade, finalmente, regressado! Regressaste, não numa manhã de nevoeiro, mas numa bela madrugada de Abril, num amanhecer de sonhos e de promessas, com cravos na lapela e cânticos soltos no ar. Uma madrugada real, primaveril, florida e regada pelo orvalho da esperança, límpida, promissora de todos os sonhos. Obrigado, Liberdade. E, já agora, perdoa-nos, a nós todos, por te termos feito esperar tanto tempo no teu exílio de saudade. É que, sem ti, pouco ou nada podemos. Sem ti, como podemos ser livres, Ó Liberdade?

Sem ti, o que seria dos nossos sonhos, dos sonhos dos nossos filhos e dos nossos netos, dos sonhos dos nossos idosos e das mulheres e homens de todo o Mundo?

Sei, sabemos, temos constatado cada vez mais, que muitas ameaças te cercam, querida Liberdade. E cercando-te a ti, cercam-nos a nós todos, mulheres e homens de boa vontade. Alargando as vistas pelo imenso Mundo, deparamos com regimes que te baniram para outros exílios, onde te albergas aguardando por uma Nova Aurora. Vemos também, aqui e ali, quem não hesite em te adjetivar, irresponsável e insensatamente: ouvimos alguns acoplar-te, a ti Liberdade, as palavras «popular» e «burguesa», para designar uma qualquer “Liberdade Burguesa” ou “Liberdade Popular”, anexos perversos e malsãos que a História já se encarregou de condenar, querida Liberdade. Pois, tu és na tua essência e força única apenas e só, puramente, «LIBERDADE!»

Por isso, quero aqui e agora fazer-te um pedido e também uma promessa. Fica connosco para sempre! Nós prometemos que vamos lutar, pela Palavra, pela Prosa, pela Poesia, pelo Encontro, pela Festa, em Arruadas Literárias e dando-nos as mãos. Os nossos filhos e netos, os nossos jovens e os nossos idosos, daqui e de todo o Mundo, alimentam legitimamente muitos sonhos. O sonho da Paz, neste momento ameaçada, o sonho da promoção da Igualdade e da solidariedade, o sonho de uma Terra Bela que é a casa Comum dos humanos e de todos os seres vivos que connosco fazem a caminhada da Vida. O sonho da Casa, do Trabalho e da Terra. Tudo isso só é possível contigo entre nós. Fica connosco, querida Liberdade. Nós faremos a nossa parte. 

 

António Assunção, Professor

- 13 mai, 2022