Diretor: Vitor Aleixo
Ano: XI
Nº: 587

Um republicano no Teixoso – 1ª parte Voltar

O dia vai fechando, cinco ou seis aventureiros, sentados a uma mesa suja e avinhada, exploravam-se mutuamente. Joga-se ao monte, politicava-se! As jaquetas amontoam-se no chão, algazarra-se muito. Falam dos trinta e quatro tecelões da Fábrica Velha que estão em greve. Os demais empregados da fábrica quotizaram-se, sustentam os companheiros de trabalho! Juntaram-se a estes os carroceiros dos despejos. Sem “água vai!”, a câmara diminuiu-lhes em vinte réis dia o salário! O António Coelho, de Linhares foi preso. Armado de fueiro ameaçava e injuriava os fiscais da limpeza!

O Honorato Pais de Lemos, vermelho e luzidio, por causa do belo tinto da vinha da Quinta do Ferraz, da família do amigo Mário Bernardo da Fonseca e Cunha, arrotando fortemente, tentava ler as últimas do jornal “A Gleba”. Um pasquim bem escrito, terrivelmente republicano, nascido nas terras de Celorico da Beira e que motiva a “causa”. O candeeiro a gaz, comprado na loja do Diamantino, dava-lhe um ar bíblico! O Republicanismo alastrava na Cova da Beira.

A vendeira Rita Bojarda manda sossegar os convivas! À cautela, esconde “A Gleba” debaixo do balcão. Ao fundo da Rua direita, a calva luzidia do regedor da paróquia anuncia-se, sempre acompanhado pelos seus ferozes cabos de polícia. S. Ex.ª desconfia que a tasca da Bojarda é um covil de republicanos!

João Pedro Dias, que nessa época trazia à venda as propriedades de D. Mariana Carolina do Vale, encosta a barriga, já algo avantajada, ao balcão, ignora os do “fundo do lugar”. Pede à patroa que exiba a sua licençazinha para vender vinho. O grupo do monte, murmura, diz alarvidades, goza com a figurinha. Não gostam do homenzinho. Um vendido aos da sacristia e ao Barão do Teixoso!

O Lemos acaricia a lâmina aguçada de sua “irmã”. Quer beber o sangue ao regedor! Com vinte e oito anos já enfrentara a Justiça por amor a uma mulher. Tinha na vila a fama de republicano, de pessoa de boas contas! Gostava da Republica por lhe parecer o regime em que melhor se protegem as classes trabalhadoras. O Maximino Franco e o José Prata metem-lhe delicadamente as manápulas, acalmam-no. Pedem mais uma rodada!

Nessa mesma altura, a família Pina Calado regressa à rica casa da povoação. O dia fora passado na Quinta de S. João nas lides agrícolas. Uma típica quinta das beiras, mandada construir em 1816, pelo capitão João Gregório Tinoco Vieira, avô de Adelaide Xavier Vieira de Magalhães. A capela privativa dá-lhe a sua graça! No teto, prepondera o “Agnus Dei” no centro de uma oval decorada com elementos simples, ainda que barrocos, que se abre aos céus. Nas paredes, oito painéis representam oito santos, também eles apertados nas molduras ovais! O relógio do sol, o tanque e o chafariz com espaldar emoldurado por duas pilastras rematadas por pináculos piramidais, dão-lhe a frescura naqueles dias de canícula outonal. José Ferreira de Pina Calado, o Barão do Teixoso, tem um carinho especial por esta propriedade. As suas vinhas velhas dão-lhe uma menção honrosa na Exposição Agrícola da Real Tapada da Ajuda.

Seu irmão, Joaquim, nomeado recentemente Governador Civil do Porto, espera-o à porta do palacete. Chegara no comboio das duas da tarde. Congratula-o pela cedência, em condições vantajosíssimas, do terreno à Junta de Paróquia, para ampliação do cemitério do Teixoso. Os jornais monárquicos elogiam-no muito. O jantar vai ser animado!

Entretanto, o grupo do monte, avinhado, de barriguinha cheia, saem do tugúrio republicano da Rita Bojarda. Entram na Rua da Amargura!

(continua)

 

 

José Avelino Gonçalves, Juiz Desembargador

- 21 jan, 2022