Covilhã, 11 de outubro, de 1873. O presidente da Comissão Executiva Municipal, José Megre Restier convocava uma reunião extraordinária. Após a leitura da última ata, comunicava o assunto a discutir na presente reunião, a organização de um Te –Deum para agradecer a forma como a rainha e príncipes escaparam ao perigo na praia de Cascais.
Um Te-Deum, para quem não sabe, é uma cerimónia litúrgica de ação de graças. Mas o que começou por ser um ato religioso foi-se transformando em manifestação social. Assistir a um Te-Deum era participar civicamente na comemoração de um grande feito ou vitória. E por cá o rei ocupava um lugar especial no coração dos beirões.
Como alguns anos mais tarde se poderia ler no periódico Os Gatos, publicação mensal de Inquérito à vida portuguesa, “O rei ideado pelo beirão fanático é uma espécie de ser mítico, lendário, singular, igual a Deus na força e de forma física incerta ou transmontante, um enorme S. Miguel de espada nua, sobre um grande corcel de sarça flamejante”: Fosse por isso, fosse por Megre Restier ter consciência da importância que era cair nas graças do poder central o Te-Deum foi marcado para o dia 13 do corrente mês, devendo-se convidar as pessoas mais “gradas” seja lá isso o que for, para assistirem e os melhores músicos para o executarem.
Mas a esta altura já o paciente leitor estará desejoso de saber o que se passou em Cascais. Foi no dia 3 de outubro, desse ano, de 1873 após uns dias de intensa chuva. O dia amanhecia solarengo convidando ao disfrute da agradável brisa que soprava do mar. A rainha D. Maria Pia e os dois príncipes, ainda crianças, D. Carlos e D. Afonso empreenderam uma caminhada à beira mar, apreciando um oceano encrespado que furioso se atirava contra as rochas. Na zona do Mexilhoeiro, desceram até à água por uma espécie de buraco entre o farol da Guia e a Boca do Inferno. Num piscar de olhos, uma onda arrebatou os príncipes. A rainha não pensou duas vezes, atirou-se à água e vendo D. Afonso a esbracejar consegue segurá-lo, grita por D. Carlos que se abraça à mãe e ao irmão. Estavam juntos, mas o vento e a água gelada batiam-lhes nos corpos doloridos, congelando-lhes os sentidos. A rainha não abria mão dos filhos apesar da sensação de derrota que dela se apoderava, ao imaginar que, em breve, seriam empurrados pela corrente e estraçalhados contra as rochas. Eis que o milagre acontece, o ajudante de faroleiro, António de Almeida Neves ao presenciar a cena atira-se também ele à água, conseguindo resgatar a família real. Seria recompensado, por D. Luís I, com a Ordem de Torre e Espada e por D. Maria com a pensão de 4 libras por mês. Já D. Maria era aclamada como heroína nacional, as Cortes agraciaram-na com a medalha de Mérito, Filantropia e Generosidade ainda que a oposição argumentasse que nunca ninguém duvidaria do amor de mãe e que premiá-la com uma medalha era reduzir o seu valor.
Por cá, no dia 17 de outubro de 1873, numa nova reunião da Comissão Executiva Municipal leu-se o ofício que deveria ser enviado a Sua Majestade informando-o da realização do Te-Deum e felicitando-o pelo sucesso do salvamento da rainha e príncipes “O Município da Covilhã intérprete fiel aos sentimentos de todos os seus constituintes vem jubiloso felicitar Vossa Majestade por ter a Divina Providência salvo a vida de Sua Majestade, a Rainha e dos príncipes”.
Carlos Madaleno, Historiador