Diretor: Vitor Aleixo
Ano: XI
Nº: 587

Os meninos de ontem: O amor de um pai, o amor de um filho Voltar

Esta é uma história verídica, que vale a pena ler e meditar. Este é um daqueles exemplos em que fica demonstrado o quanto é importante o amor de um pai para um filho, mas também o inverso: O amor de um filho para um pai.

Nos tempos que correm, é, cada vez mais importante esta união e este amor fraterno. Aproveitemos esta história e… pense nisto.

O miúdo Ricardo (Ricardinho para a família) não aguentou o cheiro bom do pão e disse: - “Pai, estou com fome”!

O pai, de nome Agenor, sem ter um tostão no bolso, caminhando desde muito cedo em busca de um trabalho, olha, com os olhos marejados, para o filho e pede-lhe mais um pouco de paciência…

- “Mas, pai, desde ontem que não comemos nada. Eu estou com muita fome, pai.”

Envergonhado, triste e humilhado em seu coração de pai, O Senhor Agenor pede ao filho para aguardar na calçada, enquanto este entra na padaria à sua frente…

Ao entrar, dirige-se a um homem que estava ao balcão.

“Meu Senhor estou com o meu filho de apenas 6 anos ali na porta, cheio de fome e eu não tenho nem um tostão. Saí cedo de casa para procurar um emprego e nada encontrei, até agora. Eu lhe peço, por favor, que, em nome de Jesus, me forneça um pão para que eu possa matar a fome deste menino.

Em troca, posso varrer o chão do seu estabelecimento, lavar os pratos e os copos, ou fazer outro serviço que o Senhor precisar.”

O Senhor Amaro, dono da padaria, estranha aquele homem de semblante calmo, mas sofrido, a pedir comida em troca de trabalho e diz-lhe que chame o filho…

Agenor pega o filho pela mão e apresenta-o ao Senhor Amaro que, de imediato, os manda sentar ao balcão. Manda servir dois pratos de comida do famoso prato feito – arroz, feijão, bife e ovo estrelado…

Para o Ricardinho, era um sonho, comer daquela forma, depois de tantas horas na rua…

Grossas lágrimas caíram dos seus olhos, logo na primeira garfada…

A satisfação de ver o seu filho devorando aquele prato simples como se de um manjar dos deuses se tratasse quando, ao mesmo tempo, pensava na sua pequena família que ficou lá em casa, foi demais para o seu coração, tão cansado, com mais de dois anos no desemprego, humilhações e necessidades…

O Senhor Amaro aproxima-se do Senhor Agenor, quando se apercebeu da sua emoção e brinca com ele, para relaxar:

“- Ó Maria!!! (dirigindo-se à cozinheira). A sua comida deve estar muito ruim... Olha, o meu amigo está a chorar de tristeza deste bife. Será que é sola de sapato?

De imediato, o Senhor Agenor sorri e diz que nunca comeu comida tão apetitosa e que agradecia a Deus por ter esse prazer…

O Senhor Amaro pede-lhe, então, que sossegue o seu coração, que coma em paz que, no final, conversariam sobre trabalho.

Mais confiante, o Senhor Agenor enxuga as lágrimas e começa a comer, já que a sua fome já lhe atravessava as costas.

Depois do repasto, o Senhor Amaro convida o Senhor Agenor para uma conversa nos fundos da padaria, onde ficava um pequeno escritório.

O Senhor Agenor conta, então, que há mais de dois anos havia perdido o emprego e, desde então, sem que tivesse sequer uma especialidade profissional, sem ter estudos, ele estava a viver de pequenos “biscates” aqui e ali, mas que há dois meses que não recebia nada.

O Senhor Amaro resolve, então, contratar o Senhor Agenor para serviços gerais na padaria e, com pena, faz-lhe uma cesta com alimentos básicos para, pelo menos, 15 dias.

No dia seguinte, às 5 horas da manhã, o Senhor Agenor estava à porta da padaria, ansioso para iniciar o seu novo trabalho.

O Senhor Amaro chegou logo de seguida e sorri para aquele homem que nem ele sabia as razões porque o estava a ajudar.

Os dois tinham a mesma idade, 32 anos, mas histórias de vida diferentes. No entanto sentia que algo, dentro dele, o chamava para ajudar o Senhor Agenor.

Afinal, o Senhor Amaro não se enganou. Durante um ano, o Senhor Agenor foi, de todos, o mais dedicado trabalhador daquele estabelecimento. Sempre muito honesto e extremamente zeloso com os seus deveres e obrigações.

Um dia, o Senhor Amaro chama o Senhor Agenor para uma conversa. Diz-lhe que a escola (que ficava um quarteirão acima da padaria) abriu vagas para a alfabetização de adultos e que, por isso, fazia questão que ele fosse estudar.

Doze anos se passaram desde aquele primeiro dia de aulas.

Vamos, agora, encontrar o Senhor Dr. Agenor Batista de Medeiros, advogado, abrindo o seu consultório para o seu cliente e depois outro e outro.

Quando soou o meio-dia, o Dr. Agenor desce para tomar um café na padaria do amigo Senhor Amaro, que fica muito impressionado ao ver o seu antigo funcionário, tão elegante, no seu primeiro dia das suas novas funções.

Mais dez anos se passaram e agora, o Senhor Dr. Agenor Batista, já com uma clientela muito significativa, onde se misturavam os mais necessitados que não podiam pagar e os mais abastados, que lhe pagavam muito bem, resolve criar uma instituição que passou a oferecer aos desvalidos da sorte, aos que andam pelas ruas, às pessoas desempregadas e carentes de todo o tipo de necessidades, um prato de comida, diariamente, à hora do almoço.

Mais de 200 refeições são servidas diariamente, naquele lugar que passou a ser administrado pelo seu filho, o agora nutricionista Dr. Ricardo Batista.

Tudo mudou e tudo passou. Mas a amizade daqueles dois homens (Amaro e Agenor) impressionava a todos os que conheciam um pouco da história de cada um deles.

Reza a crónica que, aos 82 anos, os dois faleceram no mesmo dia, quase que à mesma hora, placidamente e com um sorriso do dever cumprido.

Ricardinho, o filho, mandou gravar na frente da “Casa do Caminho” (instituição) que seu pai fundou com tanto carinho o seguinte texto:

“UM DIA EU TIVE FOME E VOCÊ ME ALIMENTOU. UM DIA EU ESTAVA SEM ESPERANÇAS E VOCÊ ME DEU O CAMINHO. UM DIA ACORDEI SOZINHO E VOCÊ ME DEU DEUS E ISSO NÃO TEM PREÇO. QUE DEUS HABITE EM SEU CORAÇÃO E ALIMENTE A SUA ALMA. E QUE TE SOBRE O PÃO DA MISERICORDIA PARA ESTENDER A QUEM PRECISA”.

Afinal, neste mundo ainda há pessoas de bem, de bom coração. Ficaremos sempre gratos a Deus por conhecermos histórias de vida, verdadeiras, como a que acabei de citar. Que o Senhor Amaro seja um exemplo para o mundo…

 

António Rebordão, Membro da Direção da Mutualista Covilhanense

 

- 14 jan, 2022