Diretor: Vitor Aleixo
Ano: XI
Nº: 587

Nada se perde, tudo se vende Voltar

O início do ano é um momento marcado pela (re)definição objetivos. O fenómeno desportivo, que se encontra cada vez mais globalizado por via da ação das novas tecnologias, não está à margem desta realidade.

Este é um período muito peculiar para clubes e seleções. Ambos procuram identificar as melhores oportunidades para reforçar as suas equipas, tornando-as mais competitivas. A mudança de cadeiras por parte de treinadores é cada vez mais uma constante, independentemente de o campeonato estar ou não a decorrer, seja na Europa ou na América do Sul. A busca por novos “cromos” é incessante, principalmente se trouxerem rendimento desportivo e financeiro. Nacionalizam-se atletas que não conseguem atingir a internacionalização nos seus países de origem ou que ambicionam integrar equipas nacionais mais competitivas para, desta forma, estarem mais próximos do êxito e de melhores contratos. Também se adquirem jogadores identificados no lugar mais recôndito do globo. Apesar disso, estes são apresentados como os novos deuses do Olimpo que vêm liderar as novas equipas rumo a títulos ou salvá-las da condenação anunciada. Muitos deles, se não atingem o sucesso esperado acabam por ser tratados como se fossem gado.

Em todo este processo intervêm os representantes das partes envolvidas. De um lado dirigentes dos clubes e, do outro, os agentes de treinadores e jogadores. Entre breves diálogos sobre estilos de vida, matrizes táticas, aspetos físicos e psicológicos discute-se muito os aspetos financeiros das transações, os salários e os prémios, as comissões e as rescisões…

Enquanto esta realidade se vive nas capas de muitos jornais, o mundo científico ligado ao futebol vai apresentando as suas evidências científicas. A nível internacional destaque para o trabalho desenvolvido há cerca de duas décadas pelo Observatório de Futebol do CIES. Este organismo tem tornado público, desde janeiro de 2015 um conjunto de estudos relacionados com o desempenho e a composição das equipas, os quais não têm merecido uma profunda reflexão por parte de quem tem responsabilidades no fenómeno desportivo profissional. As evidências relevadas pelas suas investigações apontam que um planeamento inteligente dos planteis, que contemple elementos imbuídos de uma mesma matriz cultural e tática, ligados através de contratos estáveis contribui para uma otimização sustentável do desempenho ou, pelo menos, evitar grandes transtornos. Porém, os dados recolhidos entre 2009 e 2018, revelam que o mercado de trabalho europeu dos jogadores de futebol é caraterizado por uma grande mobilidade internacional e, por conseguinte, pela instabilidade resultante da desterritorialização dos atletas. Há, contudo, sinais muito ténues de que o número de jogadores formados nos clubes tende a aumentar nos últimos, algo que pode encontrar justificação na difícil situação financeira atravessada por alguns dos grandes clubes europeus. Como tal a aposta na formação deve resultar mais de uma necessidade do que de um planeamento muito ponderado tendo em vista uma sustentabilidade a médio / longo prazo que preveja a existência de planteis compostos por atletas de mais experientes dispostos a facilitar a transição e a integração dos formados localmente.

Este é o caminho para o sucesso o qual se encontra traduzido em números cientificamente validados e tornados pelos relatórios mensais produzidos por este organismo. Todavia o mundo do futebol prefere saber quantos milhões tem o novo proprietário do clube para investir… adaptando a famosa Lei de Lavoisier, nada se perde, tudo se vende… nem que seja ilusões.

 

Sérgio Mendes, Professor e árbitro

- 14 jan, 2022